Não é minha, não é Tua, acabou, fim de linha
Vagueando
Os comboios foram o primeiro meio de transporte público que conheci. Primeiro de Sintra até Lisboa, Ida e Volta.
Depois para o Algarve e, lá chegado, não tinha nem táxi nem uma camioneta de carreira que me levasse até ao destino final. Era uma carroça que me esperava, para percorrer cerca de 10 km, entre a estação de S. Bartolomeu de Messines e a casa dos meus avós.
As viagens de comboio eram longas, penosas, desconfortáveis, mas divertidas. As pessoas tinham tempo para, sem telemóveis a distraí-las, olhar umas para outras, conversar, comer e até dividir o farnel que levavam, naquela altura, há 50 anos atrás, não existia a carruagem bar/restaurante.
Na época, o detergente OMO lavava mais branco. Contudo, uma camisa branca, vestida à entrada do comboio na estação do Barreiro, chegava a S. Bartolomeu de Messines negra e dificilmente voltava a ser branca, mesmo lavada com OMO. As locomotivas a vapor largavam uma fumarada impressionante e como não havia ar condicionado nas carruagens, viajava-se de janelas abertas, o fumo penetrava nas mesmas e, com especial agressivade, dentro dos túneis.
Vem tudo isto a propósito de ter descoberto no meu arquivo, um filme - ver link abaixo - realizado por mim, em 2002, na Linha do Tua, linha essa que despareceu para dar lugar à Barragem do Tua.
São cerca de 5 minutos de filme, muito amador, mas com direito a música de fundo. Também os intérpetres da música Barcelona, Monserrat Caballé e Freddie Mercury, já não estão entre nós.
A linha foi submersa pela subida das águas do Rio Tua depois da construção da Barragem com o mesmo nome, inaugurada em 2011.
Com o fim da linha, foi o fim de linha para a beleza desta paisagem selvagem e arrebatadora. Deixou de ser minha, deixou de ser Tua, deixou de ser nossa.
Em 2018 regressei ao Tua onde a imponência da barragem me deixou atrofiado. A ponte rodoviária que aparece no final do filme que me parecia alta, parece agora minúscula, esmagada pela altura da barragem.
Nunca me interessei muito pela barragem, nem pelas polémicas relativas à sua construção, mas ao reviver este filme, fui dar uma vista de olhos à história da sua construção e constatei que o arqueólogo Armando Sabrosa, morreu em 27 de Maio de 2006, quando participava num estudo de impacto ambiental, ao cair numa escarpa na zona das Fragas Más.
Fiquei incomodado porque andei a caminhar por vários trilhos do Tua, incluindo o Trilho das Fragas Más e dei comigo a pensar, como é que tanta beleza natural consegue esconder as marcas de dor que deixaram na família deste arqueólogo.
Recomendo que vejam também um filme, Pare Escute e Olhe de Jorge Pelicano, lançado em DVD em 2010 e que constitui um bom documentário sobre esta linha que;
A linha já não é minha, não é Tua, não é nossa, sobra a repressão imposta ao Tua.
É a vida!
Rectificação em 21/05/2023 -
Links;
Filme
Fotos do Trilho das Fragas Más
https://photos.app.goo.gl/zKPE8zvnrgTgbAmG6