Já não se usa, já não se vê
Vagueando
Participação XVI , Ano II do Desafio 1 foto 1 texto
Habituei-me a ouvir os comboios nas noites de Verão, quando estava na casa do meus avós, no Algarve. Aquele calor, mesmo com o Sol já posto, transportava até aquela casa o barulho da locomotiva, primeiro a carvão, depois a gasóleo. Este último era o Rápido, assim se chamava, embora a velocidade sobre os carris fosse tudo menos rápida. O Sotavento, uma automotora de cores garridas, branco e vermelho dava-lhe um ar "racing" mas a sua velocidade máxima, raramente chegava aos cento e picos quilómetros hora.
O problema nem sequer era a velocidade máxima, mas sim os carris que não aguentavam grandes velocidades e, por outro lado, obras ou má conservação da via, obrigavam a frequentes abrandamentes que, em termos ferroviários dá pelo nome de afrouxamentos.
Tudo conjugado era uma seca, uma eternidade viajar entre o Barreiro e a minha estação onde todos os comboios paravam - S. Bartolomeu de Messines.
E era o percurso entre esta estação e a estação de Tunes, implantado num mini planalto que eu ouvia e via, o comboio a avançar, o som do comboio, conhecido por pouca terra, pouca terra, era uma falácia. Havia muita terra para tão minúscula serpente que por ali passava.
E não era só ver e ouvir, eu parava para admirar o comboio - nostalgia e sentia o cheiro das travessas de madeira, pingadas de óleo que, perante o Sol inclemente do Algarve, também libertavam um odor que não consigo descrever mas que ainda hoje está gravado na minha memória.
A foto de hoje é de um antigo sinal ferroviário, muito usado junto das passagens de nível, com e sem guarda que assinalavam o perigo que um comboio representava. Assim para evitar acidentes esta placa avisava -Pare, Escute e Olhe, antes de atravessar a linha.
Hoje, o sinal deixou de fazer sentido, os carris foram desnivelados do nosso caminho que ficou livre. Em nome dessa liberdade, deixámos de Parar, de Escutar e de Ouvir - perdemos a linha e o respeito por todos os que se atravessam ou partilham connosco o caminho que é de todos.
Pouca terra, pouca terra, deixou de fazer sentido, a terra por onde o comboio passava, ficou muita e sem gente para ouvir o comboio.