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Generalidades

Generalidades

13
Jun25

Insanidade


Vagueando

Participação XXXI, Ano II, no Desafio 1 foto 1 texto de IMSilva 

Confesso que nem preocupei em arranjar, para este post relacionado com o desafio, uma foto. Isto porque acredito que chegamos a um ponto de insanidade tal, que as palavras que aqui deixo e que resumem alguns acontecimentos desta semana, são suficientes e fortes para retratar o Mundo.

Assim recorro a uma série de notícias, sem ligação lógica mas que explicam a lógica da insanidade, cabendo ao leitor imaginar como seria possível ilustrar tudo isto, numa só imagem.

Começo pela venda de um sabonete, por 8 dólares,sabonete esse que tinha a particularidade de conter umas gotas de água do banho de uma senhora que dá pelo nome de Sidney Sweeney e que rapidamente esgotaram e até mandaram com o site onde estava à venda abaixo, devido ao excesso (leia-se loucura)de procura.

De seguida, empreendedores, colocaram o mesmo sabonete à venda no EBAY por preços que variam (ou variavam) entre os 100 e os 2.000 dólares.

Para lavar, quiçá,  a honra depois da derrota sofrida num jogo de Hóquei em Patins e sem dinheiro para o tal sabonete, uns pseudo adeptos do Sporting, atacaram com um engenho incendiário um veículo onde estavam adeptos da equipa contrária, deixando-os feridos, dois ao que parece, com gravidade.

Por razões que a razão (sensata) desconhece um jovem de 21 anos entrou numa escola em Graz – Austria e matou nove pessoas a tiro.

Um pouco mais ao lado, um jovem de 14 anos, mata à facada uma assistente operacional. Será caso para dizer que andam a lavar a cabeça aos jovens, com o tal sabonete?

É difícil compreender que em pleno Século XXI, na Europa ainda seja necessário perder tempo a discutir projectos ou legislação para criar zonas de silêncio nos transportes públicos, nomeadamente nos comboios.

O dever cívico deveria ser suficiente para que o silêncio imperasse nos transportes públicos, infelizmente não é.

22
Out24

A reportagem de guerra, com anúncios


Vagueando

Hoje assisti no telejornal da SIC à filmagem de uma menina em Gaza que carrega às costas a sua irmã, atropelada por um carro, para que possa receber tratamento, sabe-se lá onde. 

Um jornalista filma a criança, notoriamente cansada, enquanto, durante mais de meio minuto vai lançando perguntas à criança que continua com a sua irmã às costas.  

Perante aquela máscara de sofrimento, pergunta-lhe  se não está cansada de a carregar assim. Como a resposta não sai logo, volta à carga, Estás cansada ou não?

Termina a reportagem com uma oferta; Vem. levo-te comigo, mas não a ajuda a carregar a irmã ferida.

À chegada, volta a filmar a criança, sem que lhe seja dada alguma ajuda para tirar a irmã do carro que volta a carrega-al ao colo.

A Sapo também destaca a reportagem, servindo-se das imagens da SIC que pode ver neste link Descalça na estrada, menina carrega às costas irmã ferida em Gaza.

Se se for ver o video, primeiro leva com um anúncio (oportunidade de negócio)  e depois pode assistir aos efeitos da guerra e por fim ao interrogatório do jornalista à criança, sem que em algum momento se lhe tenha sido prestada alguma ajuda para a aliviar do peso que carregava.

Não é só a guerra e a insensabilidade de quem a promove que não se preocupa com o impacto que provoca na vida das pessoas, nomeadamente nas crianças, o jornalismo não é melhor, se se rever neste tipo de reportagem.

 

 

27
Jul24

Especialistas


Vagueando

Há uns tempos a esta parte dão nas vistas gurus, coaches, influencers, especialistas em qualquer coisa, mesmo que não seja boa coisa, nem digam coisa com coisa.

Mas está na moda, prontes. Ah, e são notícia ou, vá lá, também produzem conteúdos que são notícias. Porquê? Sei lá eu!

O interessante é que estes conteúdos, às vezes aparecem por aqui, na Sapo, ou noutro portal e, da forma como são apresentados, trazem uma auréola de evidência científica. A evidência sozinha fica desenxabida, deixou de valer por si só, adicionou-se-lhe a cientificidade, para a reforçar a evidência.

Por exemplo, se pegarmos num cubinho de Knorr e lhe juntarmos água obtemos um caldo de galinha, é uma evidência facilmente comprovada. Mas se ao mesmo cubinho de Knorr, composto por glumato de monossódico, inosinato de disódico, gordura de palma totalmente hidrogenada e, convém, 3,1% de gordura de galinha e 0,7% de carne de galinha, maltodextrina, entre outras mixórdias, provenientes de agricultura sustentável, juntarmos H2O, continuamos a ter um caldo de galinha mas o resultado é agora uma evidência científica.

Até aqui fui eu a divagar, mas vamos dar início aos conteúdos que tenho vindo a guardar. Começo por uma notícia que passou despercebida.

A era dos ‘supercentenários’: “A primeira pessoa que chegará aos 150 anos já nasceu”, revela especialista. Lá está é um especialista que faz esta importante revelação e, podes ser tu que me estás a ler o bafejado pela sorte, ou pelo azar se o planeta, revoltado com o nosso comportamento, lá está não estamos a fazer tudo o que deveríamos em termos ambientais, entretanto rebentar e acabar com todos nós.

Portanto, fica desde já outra notícia, com especial interesse para quem vai chegar aos 150 anos. Cuide-se e tome desde já nota da dissertação de outro(s) especialista(s) - Preocupa-se em limitar a sua pegada de carbono? Se o faz em vida, saiba que a sua morte gera o equivalente a uma viagem de carro de 4000 km.

Bem mas enquanto cá andamos é importante satisfazermos os nossos sonhos, lutando, de forma socialmente respeitável para o efeito. Dá trabalho, nem sempre resulta, temos que remover montanhas e remover muitas pedras do caminho.

É assim não é? Ou sou eu que já velho que venho para aqui com ideias retrógradas?

Sou eu que estou mesmo a ficar velho, afinal, lá está especialista nos mostra um atalho - Especialista revela qual é o melhor dia para comprar um bilhete da lotaria e ganhar. Leia, leia, não se intimide, não é bruxaria, é astrologia.

Entretanto como é do conhecimento geral, comer um bife não é a coisa mais sustentável ambientalmente que podemos fazer, já abordei este tema num post que apelidei “E no entanto as vacas continuam a peidar-se”.

Ora quando me deparei com esta notícia, Conheça a ‘Viatina-19’: a vaca mais valiosa do mundo é vigiada por câmaras e tem um guarda-costas armado pensei logo que se tinha resolvido a sustentabilidade do bife no prato e fui ler. Desilusão completa, mas o negócio parece lucrativo na mesma. Uma participação de 33% na Viatina 19, custou qualquer coisa, como 3,76 milhões de euros, é lá! E há mais esta vaca já foi  “Miss América do Sul” uma versão bovina do ‘Miss Universo’, onde vacas e touros de diferentes países se enfrentam.

Ora aí está uma boa ideia, juntar os concursos de Miss e Mister Universo numa única cerimónia, torná-la-ia muito mais inclusiva.

A propósito de bifes, quanto custa comer no melhor restaurante do mundo? Não se acanhe dê uma espreitadela, pegue na calculadora, junte-lhe as despesas de deslocação, eventualmente mais uma dormida e a harmonização de vinhos, uma bagatela que seguramente só deve ser sustentável (financeiramente falando obviamente) para algumas carteiras e, eventualmente, para algum carteirista mais bem sucedido.

Deixemos a gastronomia e viremo-nos para outros prazeres, uma ida à praia por exemplo. Está a pensar que não precisa de um especialista para ir à praia? Lamento, está enganado. Leia se faz favor esta especialidade - É esta a melhor hora para o bronze (sem esquecer os cuidados a ter na exposição ao sol)

Já que estamos em maré de praia convém que saiba que há praias fluviais e já agora que a melhor até é nossa. Dê uma vista de olhos – A melhor praia fluvial da Europa é portuguesa. Conhece?  Convém recordar que para proceder a classificações desta natureza tem que se recorrer a especialistas quer da avaliação, quer dos critérios usados e ainda especialistas no acompanhamento processo de avaliação em nome da transparência.

A esta altura quem sabe se eu não me estou a tornar num especialista em divulgar conteúdos de especialistas.  

De prazer em prazer até ao prazer supremo - O dia do sexo – Celebre os prazeres da intimidade, mais um rol de conselhos de especialistas da coisa.

Para terminar, volto ao primeiro tema deste post. Se por acaso ainda não nasceu, é porque provavelmente não está talhado para chegar aos 150 anos. Mas se já nasceu, pode ser que só morra depois de completar a bonita idade de 150 anos, portanto a minha escolha para a última notícia, que não é de um especialista mas sim de um profeta da tecnologia, é para si ou para todos nós - No futuro, os mortos vão voltar à vida? Profeta da tecnologia faz previsões alarmantes para os próximos anos

Se eu fosse mais novo, e tirasse um curso qualquer, desprovido de bom senso mas muito impregnado de empreendedorismo, especializava-me em terraplanagens, e abraçaria um gigantesco projeto que consistia em terraplanar a terra toda e depois queria ver se alguém tinha uma evidência científica de que a mesma é redonda.

 

Bom fim de semana.

 

03
Jul24

A morte de alguém


Vagueando

A morte de alguém, de forma violenta, impressiona sempre o público, causa alarme social e deixa nas famílias enlutadas feridas muito difíceis de sarar. São feridas que não se curam com tratamentos médicos, com palavras, nem com abraços e não se remedeiam com a aplicação da Justiça.

Ainda assim, não posso deixar de apresentar à família do jovem morto, no Norte Shopping, os meus sentidos pêsames.

A razão pela qual escrevo este post é porque esta morte me fez recordar um livro - Mulheres de Cinza de Mia Couto - que já li há uns tempos e que me deixou marcas que não esqueci e, uma delas, que reproduzo abaixo, infelizmente aplica-se a este trágico caso.

"Sorte a dos que, deixando de ser humanos se tornam feras. Infelizes os que matam a mando de outros e mais infelizes ainda os que matam sem ser a mando de ninguém. Desgraçados, enfim, os que, depois de matar, se olham ao espelho e ainda acreditam serem pessoas"

A minha esperança é que os espelhos continuem a dar a ver ao mundo e aos próprios, pessoas e não desgraçados.

01
Mai24

Falta de indignação


Vagueando

Lembram-se do acidente ocorrido na A6 de que resultou a morte de um trabalhador, envolvendo o carro do ex-ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita?

De certeza que toda a gente se lembra, dada a cobertura mediática que o mesmo teve.

Por acaso sabiam que na passada Segunda Feira, na A7, um trabalhador da Ascendi morreu atropelado.

Provavelmente não!

Isto porque o que interessa não é a morte de uma pessoa, muito menos as causas do acidente, mas sim não ter envolvido um político, um membro do governo ou uma figura pública.

O ano passado o fecho da Operação Páscoa saldou-se em 15 mortes o que me levou a publicar um post com o título 15 mortes nenhuma indignação.

Ao ver a imagem do veiculo que na passada Segunda-feira atropelou mortalmente o trabalhador na A7, podem vê-la aqui, as semelhanças dos estragos causados são muito semelhantes aos que ococrreram no carro do ex-ministo, ou seja o embate dá-se também do lado esquerdo. As imagens do carro do ex-ministro pode ser vista aqui.

Porque não se montou um circo mediático igual, nem ninguém foi entrevistar a família do infeliz trabalhador da A7? A ACA-M Associação de Cidadãos Auto Mobilizados, que se manifestou no acidente com Eduardo Cabrita e constitui-se assistente no processo judicial subsquente, não se veio pronunciar sobre este acidente porquê? Não poderia dar explicações ou esta morte não dá visibilidade?

Os meus sentidos pêsames à família do infeliz trabalhador.

17
Dez23

Morreram todos - ai, ai, ai que não pode ser!


Vagueando

Lembram-se da polémica ou do meme como agora se costuma dizer, relacionada com a frase de abertura do Telejornal "morreram todos"  sobre o acidente que vitimou os tripulantes do submarino que os levava a visitar os destroços do navio Titanic?

O que estava em causa era a verdade, mas a sociedade perfeita em que vivemos não admite a verdade dita com clareza, crua e dura. Admite, isso sim, sem qualquer manifestação de repúdio, a mentira porque sabe sempre bem  receber uma mentira, sempre que esta é politicamente correta.

Vem isto a propósito desta notícia, Comediante Kenny DeForest morre após acidente de bicicleta em Nova Iorque

Na notícia, começa-se por se afirmar "Os primeiros relatórios do acidente sugeriam que DeForest teria sido atropelado por um carro, mas agora Beck (seu amigo) confirmou que recebeu mais informações e que não foi um atropelamento."

Nada se diz se o comediante levava ou não capacete, da leitura do resto da notícia presumo eu que não.

Curioso é o remate no último parágrafo da notícia onde se refere "De acordo com dados da cidade, 26 ciclistas foram mortos em 2023, tornando este ano o segundo mais mortal para ciclistas depois de 1999." ( o bold e o sublinado são meus).

Pergunto se foram mortos ou se terá  sido este acidente mais um em que os ciclistas sofrem da pior forma as consequências da sua falta de cuidado com a proteção do seu próprio corpo, como  parece ser evidente no meu post anterior, ser do contra?

07
Dez23

Entre a beleza e o horror


Vagueando

20231206_160812.jpg

Ontem numa das minhas raras passagens por esta zona, detive-me frente ao mar, nas proximidades da Boca do Inferno em Cascais.

Fiquei ali parado por alguns instantes a aproveitar a tranquilidade do momento, a olhar para o mar, um espelho.

O tempo foi passando, fui tirando umas fotos, soube-me bem aquele momento e decidi logo ali, que uma daquelas fotos iria servir para participar neste desafio 1 foto 1 texto de IMSilva.

Hoje de manhã fui surpreendido com a notícia de que um carro se despistou e caiu ao mar na zona do Cabo Raso, acidente que provocou a morte de duas mulheres.

Entre a beleza de ontem e horror de hoje, distam uns meros 4km.

Como é que tanta beleza conseguiu, em menos de 24h, acolher tanto horror?

01
Set23

O legado dos jornais (locais)

Curiosidades


Vagueando

Quando somos jovens o tempo escapa-se com uma velocidade estonteante, os estudos, as namoradas, as festas, não nos deixam apreciar nada sobre os locais onde vivemos.

Os velhos, nessa altura eram segundo a nossa perspetiva, uns chatos, quando falavam começavam sempre com a frase -no meu tempo não era nada disto, isto agora é uma pouca-vergonha.

Depois vem a família, o trabalho e nada muda, bem pelo contrário o tempo já não se escapa, pura e simplesmente parece não existir. Os locais onde vivemos são os mesmos mas transformaram-se, acrescentaram história à sua existência, apagando os sinais do passado que se perde à medida que os mais velhos desaparecem.

Quando me reformei, comecei a prestar mais atenção a um jardim próximo da minha casa, cujo projeto, da autoria do arquiteto Raul Lino, o transformou num dos mais belos miradouros que conheço. No local, não existe nada que o ligue a este arquiteto, nem tão pouco existe uma placa com a sua história resumida.

Vai daí, resolvi pesquisar no Jornal de Sintra o que se escreveu sobre este jardim/miradouro. A pesquisa resultou num post que coloquei aqui em 09 de Abril de 2022 sob o título o Jardim da Vigia.

Durante estas pesquisas fui recolhendo outras informações que, não se ligando com o jardim, achei curiosas pelo que resolvi partilhar hoje duas destas notas. A primeira é um cartoon publicado no jornal em 31 de Maio de 1953 e que reproduzo abaixo A linha de Sintra foi inaugurada em 1887, pelo que este cartoon foi publicado 66 anos depois, eu ainda não era nascido, mas o turismo para Sintra já seria uma realidade.

Excursionistas Sintra 31 05 1953 jornal 16318.jpg

Não vou contar aqui a história da Linha de Sintra, apenas vou referir que não foi através desta linha que o primeiro comboio chegou a Sintra.

O primeiro comboio, denominado Larmanjat , chegou a Sintra, em 1873, passando por Ranholas e quer este, quer os que vieram com a construção da Linha de Sintra acabaram por influenciar a história das queijadas de Sintra, nomeadamente as da Sapa.

A outra nota curiosa, que publico abaixo, tem a ver com uma notícia deste jornal em 25 de Dezembro de 1954 e que se refere a um homem que seguia de bicicleta e acabou atropelado por um avião.

Colhido por um avião Jornal 160325 - 25 12 1954.j

Isto aconteceu porque a estrada antiga que ligava Sintra a Pero Pinheiro, atravessava a pista da atual Base Aérea nº 1 e era justamente conhecida por Estrada da Base ou Estrada da Granja, porque esta Instituição Militar está implantada no local conhecido por Granja do Marquês.

Na foto do Goggle que deixo abaixo é bem visível a estrada que atravessava a pista e que liguei com uma linha vermelha a parte que entretanto desapareceu.

BA1 (2).jpg

 

15
Jun23

O Caminho


Vagueando

Comecei a andar por aquele caminho que não sabia para onde ia. O nevoeiro cerrado não deixava perceber em que direção seguia, tinha a noção dos pontos cardeais mas não tinha nenhuma referência que me permitisse identifica-los, era como se tivesse na mão uma bússola desorientada na presença de um íman.

Contudo, simpatizava com aquele caminho, talvez até tivesse carinho por ele, ainda que racionalmente não existissem razões para tal.

Sentia a sua beleza sem a ver, sentia a sua sinuosidade sem a compreender, sentia que subia ou descia através do maior ou menor esforço para caminhar e sentia que devia continuar. O comum dos mortais dar-se-ia como perdido mas eu não estava, afinal nem sabia para onde seguia aquele caminho e também não fazia a mínima ideia para onde queria ir.

Quando os meus pés, único sensor que me ligava à realidade, perdiam a sensação de pisar terra e pedra, passando a tatear um tapete húmido e fofo, sabia que me tinha desviado do caminho e entrado numa floresta. Aí parava e procurava regressar ao caminho que me queria levar não sei onde.

O caminho era abraçado por copas das árvores que não via e pelo nevoeiro que também não me deixava ver os meus pés, mas seguia-o na esperança de encontrar o que não sabia ou com medo de encontrar coisa nenhuma e ficar ali, no caminho ou fora dele.

Caminhei, caminhei, caminhei, sei lá porquanto tempo, também não me interessava o tempo, nem tinha forma de o medir, apenas sabia, através da pouca luz que atravessava aquele espesso nevoeiro, que era dia. O caminho seguia algures não sei por onde e eu seguia para lado nenhum (1).

Fiquei curioso com isto do lado nenhum, como materializar o lado nenhum. Tentei imaginar como o fotografaria, como me sentiria eu ao lado do lado nenhum. Finalmente um bom motivo para continuar, agora tinha um objetivo, encontrar o lado nenhum.

Continuei então, de vez enquanto o vento sacudia as copas das às árvores que aliviavam ruidosamente as gotículas de água que se tinham acumulado nas suas folhas e que sem dó nem piedade, caiam em cima de mim. O vento parecia forte, espaçadamente tão forte com rajadas furiosas. Como era possível sacudir as árvores com tanta violência e deixar o nevoeiro tão calmo a envolver tudo e mais alguma coisa?

Não compreendia.

Era tão estranho que não sabia se estava num ponto alto, onde o nevoeiro gosta de se fixar com maior regularidade ou se ele, nevoeiro, desta vez, tivesse descido tão baixo até ao meu caminho apenas para me atrapalhar ou quem sabe, me ajudar. Não obstante as dificuldades, continuava porque aquele caminho me guiava e de certo modo dava-me tranquilidade, afinal todos os caminhos vão dar a Roma, mas antes de lá chegar, chegam a outros lados, quem sabe se ao lado nenhum. O curioso é que este caminho não se encontrava com outros caminhos, nem sequer uma vereda, que me obrigasse a tomar uma decisão de continuar ou de o abandonar, não tinha nada que enganar, como se eu não me estivesse, quase de certeza, a enganar-me a mim mesmo ao seguir aquele caminho.

Afinal o caminho faz-se caminhando e para a frente é que é caminho.

Sentia cheiros que não conseguia identificar, mas os que identificava permitiam-me saber que aquilo à volta era terra húmida, estava habitua a ter água em abundância. Mas não ouvia água a correr, era como se não existissem rios ou riachos a terra absorvia toda a água que por ali caísse, exceto a que era despejada em cima de mim, pelas árvores em fúria com o vento que as sacudia. Ouvi aqueles chocalhos usados pelo gado nas pastagens. Este som tão tranquilizante, parecia-me longe ou então era perto mas estava abafado pelo nevoeiro e desvirtuado pelo vento. Podia tentar seguir o som na esperança que o cão pastor me farejasse e me conduzisse a alguém. Desculpei-me a mim mesmo, nenhum cão me farejaria, o vento, o nevoeiro, quiçá a distância o impediria de sentir o meu cheiro. Talvez, no fundo, no fundo, não quisesse encontrar mesmo ninguém e seguir o (meu) caminho.

Continuei, sentia agora o vento mais forte e percebi que as árvores teriam ficado para trás, já não recebia salpicos e o vento era mais forte, estava em campo aberto sem o ver, maldito nevoeiro porque não te vais embora. A paisagem que não via assumia-se como fantasmagórica no meu imaginário, mas a roupa começava a secar com a ajuda da brutalidade das rajadas de vento que me dificultavam a progressão no caminho. O caminho seguia e eu seguia-o, como um crente em Deus, mas sem esperança no que quer que fosse, apenas e só com o desejo de continuar.

A dado momento o vento, ainda que forte deixou de se manifestar em rajadas, era mais quente, mais aconchegante não fosse o pó que trazia consigo e que se me colava no rosto, começava a ficar exausto, mas não parava, sempre com o pensamento de que chegaria a algum lado, talvez ao lado nenhum. Estou a sonhar, tenho que acordar, acabar com isto, lavar a cara, já não suporto este pó colado ao rosto que me impede de ver, como se o nevoeiro não bastasse. Mas qual quê, não era sonho era realidade, o nevoeiro e o vento não mentiam, sentia-os e bem.

Seitei-me no chão pedregoso e seco, senti o cheiro do mar, que me reconfortou, fechei os olhos para o imaginar, foi como se tivesse posto os óculos da realidade virtual, vi o mar e praia.

Abri os olhos, o nevoeiro desaparecera, à minha frente tinha uma mulher que me observava, perguntei-lhe o nome, respondeu Mariana.

Demos as mãos, seguimos os dois o caminho, que ainda estamos a caminhar, até que a morte nos separe e ainda não encontramos o lado nenhum. Desde esse dia, encontramos sim, lado a lado, muitos e bons lugares, por todos os lados. 

(Título de um livro espantoso da autora Júlia Navarro e cuja história explica o que é ser de lado nenhum)

21
Jul22

Um conto ou um Desconto


Vagueando

Aquele Conto era filho de mãe escritora e de pai matemático. Podia ter herdado o gosto da mãe pela cultura e/ou o rigor científico do pai. Mas não, a anarquia foi sempre a sua filosofia de vida, com laivos de debochado.

Talvez devido ao seu espírito anárquico e acima de tudo por ser um debochado, era alvo do interesse público, melhor da coscuvilhice pública. É que isto do interesse público tem o seu interesse, porque perante um mesmo copo de água há sempre quem o veja meio, meio cheio ou meio vazio. Ou seja servia para todos os gostos e embirrações e gostos (quiçá as embirrações também) não se discutem, exceto quando se lava roupa suja nas redes sociais.

Daí que um escritor, manhoso mas minimamente honesto, ao contrário dos jornalistas de tabloides que seguiam e engendravam casos à volta do Conto, interessou-se por escrever um conto sobre o Conto, pelo que lançou mãos à obra.

Como um conto já o é, teve que fazer de conta que o conto sobre o Conto era isso mesmo, um conto. Contudo, o dito conto sobre o Conto, mais não era que um biografia.

A infância, as diabruras constantes demonstravam que o Conto era, autenticamente, um estarrabazido (palavra que a minha avó usava para designar este tipo de sujeitos), um sem eira nem beira.

A adolescência não modificou o Conto, para melhor entenda-se. Sem rumo, sem norte, ao sabor do vento, mesmo quando este não soprava, as suas atitudes e posturas, andavam no limbo entre o mau comportamento e os pequenos delitos.

Já na idade adulta, esmerou a sua faceta criminosa, começou a partir corações, quer por via dos muitos amores desfeitos por traições, que as mulheres perdoavam, quer por via das burlas (amorosas – amor para que te quero) com que as brindava, em suma, um charlatão/engatatão.

O Conto vivia à conta dos contos que escramalhava (termo algarvio que designa espalhar/desarrumar) às muitas mulheres que caiam na esparrela de se deixar enrolar, entregando-lhe as suas poupanças, contra a promessa de que o Conto faria bons negócios com o mesmo, enfim o típico conto do vigário.

Quando o Conto viu, em grande destaque no escaparate de uma livraria um livro sobre a sua malfadada vida, resolveu descontar tudo e, vai daí, sob pseudónimo, lançou um desconto, ou seja a sua versão, aldrabada mas cor-de-rosa da sua vida, incluindo a amorosa, mais a versão aldrabada, do sucesso da suposta vida de empresário.

O curioso nestes dois contos é que se provou que após a morte do Conto, a versão biográfica e honesta do conto, morreu também, enquanto a versão aldrabada continua a fazer sucesso, indo já 25ª Edição.

A mentira faz parte daquilo a que outrora chamávamos a voz da razão.

Existe mesmo uma FdAdCA – Fundação de Admiradores do Conto Aldrabado, criada por si com os fundos obtidos via trafulhice e que conta com uma legião de seguidores, ainda mais pantomineiros do que o Conto.

Esta legião, assegura a continuidade da sua obra, usando as velhas técnicas, não deixa de ser curioso como a inovação não faz falta nenhuma para este fim, ainda que se possa recorrer a outras ferramentas mais modernas, mas agora para poderem beneficiar financeiramente das suas práticas, usam apenas moeda virtual.

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