Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul
Vagueando
Para celebrar duas imagens da travessia do Atlântico Norte em 2011, sendo que das várias que fiz, esta foi a única vez em que a ausência de nuvens me permitiu, ver todas as ilhas dos Açores, neste caso a Ilha do Pico.
Celebra-se em 17 de Junho deste ano, o centenário da Primeira Travessia Aérea do Atlântico Sul.
O primeiro voo teve lugar em 1903 pelas asas dos irmãos Wrigth. Estava resolvida a questão de como, a partir do solo, com recurso a um motor, era possível elevar-se no ar e manter-se por lá, digamos assim, durante 3 segundos!
Coisa pouca é certo, mas se Neil Armstrong, astronauta americano que pisou a Lua pela primeira vez em 1969 (66 anos apenas após o voo dos Irmãos Wright) e que proferiu a frase, “um pequeno passo para o homem um grande salto para a humanidade”, esta encaixaria perfeitamente na celebração deste voo, como se poderia aplicar, 19 anos depois, ao voo de mais de 60 horas de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, iniciado em 30 de Março de 1922.
Certo é que apenas cinco anos depois da viagem dos nossos heróis, aparece a PanAm e a Varig, a KLM já existia desde 1919.
Em pouco mais de 100 anos a evolução deste meio de transporte, que aparece já depois do comboio e do barco, foi algo de extraordinário a todos os níveis, em especial em termos de segurança. Sendo o último meio de transporte de grande envergadura a aparecer, tornou-se no mais seguro, pelo que hoje, o maior risco de andar de avião comercial é ir de carro até ao aeroporto.
Não deixa de ser curioso comparar o risco de voar de há cem anos com o risco atual. Na altura os acidentes sucediam-se e a probabilidade de morrer num acidente de aviação era enorme. Atualmente a probabilidade de sofrer um acidente de aviação é infinitamente menor do que quando estamos em terra, razão pela qual já não faz sentido dizer que gostamos de andar com os pés bem assentes na terra para nos referirmos que estamos em segurança.
É hoje claro e fantástico, que o voo dos portugueses, para além de ser o primeiro a atravessar o Atlântico Sul, deu um impulso muito significativo à orientação em voo, já que no mar, não existem referências para navegar à vista e os nossos aviadores fizeram-no voando de dia e de noite.
Eles tiveram seguramente, muita responsabilidade no enorme sucesso que a aviação goza hoje em dia.
Afinal, de nada servia saber voar sem se saber como ir para onde se pretendia.
Tive o prazer de ler o livro de Mário Correia, A Grande Aventura, lançado este ano para celebrar tão importante evento e que nos dá uma excelente perspetiva do que foi preparar e realizar este voo.
Imaginar uma epopeia destas em 1922, em que voar era uma incerteza, sem uma cabine fechada, suportando o frio e a chuva, mais o barulho dos motores, que precisavam de vigilância constante, manusear aparelhos de navegação, usar uma lanterna a pilhas para ver de noite, fazer cálculos manuais para saber até onde a gasolina existentes nos depósitos lhes permitia chegar, por mais que tentemos, não conseguimos ter a mais pálida ideia das dificuldades. A tudo isto juntava-se uma alimentação deficiente e parca, composta por bolachas de água e sal, chocolate e água com etapas de voo ininterrupto de mais de 11 horas.
As peripécias foram muitas, como não podia deixar de ser, mas a tenacidade destes dois homens permitiu que a travessia se concluísse.
Um dos muitos problemas sentidos durante o voo, era a tendência que o avião tinha para levantar o nariz, o que obrigava a um esforço físico e psicológico muito grande para manter o avião nivelado. Esta anomalia devia-se ao facto de um dos flutuadores meter água aumentando assim o peso e consumo de combustível.
O desenvolvimento do Sextante levado a cabo por Gago Coutinho, motivou o interesse da empresa alemã fabricante destes aparelhos, a Plath, a comprar a patente, comercializando-o pelo mundo com o nome de System Admiral Gago Coutinho. Esta empresa que ainda existe, conta a sua história desde a fundação em 1837, dá relevo à volta ao mundo no Graf Zepplin, realizada em 1929, usando um sextante fabricado pela C.Plath, nada referindo sobre a aquisição da patente a Portugal, pela qual Gago Coutinho nada quis receber. Compreende-se ou talvez não, mas a empresa é alemã prefere dar relvo ao que é seu.
Lamentavelmente, estando nós em Portugal, a celebração dos 100 anos desta importante travessia, não tem tido o destaque na imprensa nacional, que seguramente merece, muito menos a atenção dos portugueses. Pela minha parte, vou almoçar, neste dia tão importante não só para Portugal como para o Mundo, ao Leão de Ouro, no Rossio, onde os nossos aviadores se reuniram várias vezes para falar sobre navegação e onde nasceu a ideia de criar um instrumento a que deram o nome de Corretor de Rumos Coutinho-Sacadura.
Quem sabe se os portugueses não deviam ir mais vezes ao Leão de Ouro e inspirar-se para fazer um país voar bem alto, numa rota de sucesso com rumo bem definido, pelo Sextante de Gago Coutinho.
Fica a ideia.
Actualização 11 de Fevereiro de 2023 - Fotos inéditas da viagem de Gago Coutinho e Sacadura Cabral: “O meu pai foi o primeiro a abrir a porta do avião”.