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Generalidades

Generalidades

01
Dez24

Um conto de Natal ou algumas curiosidades de Natal


Vagueando

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O meu azevinho com mais de 50 anos

 

O António, quiçá espevitado pelas aulas de cidadania no primeiro ano do ensino básico, andava às voltas com o nascimento e da adoração ao menino Jesus e começou a interessar-se pelo Natal.

Não percebendo o porquê da grande correria às lojas, aproveitava as suas conversas com o avô, que tinha toda a paciência do Mundo para falar com ele sobre o Natal e disparou uma série de perguntas.

Avô porque já anda tudo atarefado com compras de Natal?

Porque temos por hábito trocar presentes nesta altura do ano?

Porque penduramos as meias na chaminé na noite de Natal?

Eh lá tanta pergunta, vamos lá isso, chega-te aqui para o pé de mim.

No início da civilização humana guardavam-se provisões para o Inverno que eram consumidas com muito cuidado. É que com o rigor dos Invernos, não havia forma de obter novos alimentos.

Com chegada da Primavera celebrava-se a passagem segura do Inverno e tirava-se a barriga de misérias, festejando com comida em abundância. Cada agricultor tinha as suas próprias reservas mas faziam-se celebrações em grupo nas pequenas povoações, trocando/oferecendo comida, podendo assim obter-se uma grande variedade de pratos.

O Cristianismo aproveitou-se desta celebração convertendo-a nas oferendas ao menino Jesus. Mais tarde esta prática foi adotada pelas famílias e amigos como forma de reforçar os laços sociais entre elas. É assim que nasce a troca de presentes entre famílias no Natal, razão pela as lojas já estão com muito movimento.

E o avô continuou, aquele receio da comida poder faltar no Inverno, afinal na altura não existiam mercearias nem supermercados as pessoas só comiam o que conseguiam cultivar e o que conseguiam caçar, também tem a ver com o Pai Natal.

Este começou por ser uma figura que o viquingues vestiam para representar o Inverno, figura essa que era recebida e adorada na esperança de que o Inverno fosse o mais suave possível. Mais tarde, esta figura tosca acabou por ser ligada a S. Nicolau, protetor de crianças e estas, em sinal de agradecimento, costumavam deixar às suas portas, comida para o seu cavalo. S. Nicolau, bondoso deixava-lhes doces.

Reza a lenda que o estalajadeiro de uma hospedaria, tinha por hábito fazer conservas de rapazinhos em vinagre que guardava dentro de barricas de salmoura, para depois servir aos clientes e que S. Nicolau salvou três rapazes da morte certa. A partir daí tornou-se um santo adorado pelas crianças, daí as ofertas ao seu cavalo e a retribuição de doces ás crianças o que só aumentou a sua popularidade.

S. Nicolau era uma figura tosca, muito popular na Holanda, era conhecido por Sinter Klaas. Os colonos holandeses chegaram à América no Século XVII, altura em que deram a conhecer a figura por aquelas bandas e a pronúncia americanizada acabou por derivar o nome de Santa Claus.

Não estás a ver uma figura tosca, criada pelos viquingues, vestir um fato vermelho como o Pai Natal usa hoje, pois não?

Mas o fato do Pai Natal não foi sempre assim avô?

Não. O fato do Pai Natal nasceu de uma acção de marketing, desculpa, de publicidade. Conheces a Coca Cola, uma marca que esteve proibida de se vender em Portugal antes da Revolução de Abril, mas que é muito popular no Estados Unidos da América?

Conheço, claro!

Bem então antes de te explicar a relação entre a Coca Cola e o fato do Pai Natal, deixa-me falar desta bebida em Portugal. Nos anos 20, esta bebida já circulava por alguns cafés mais seletos de Portugal. A marca queria entrar oficialmente no País e decidiu fazer uma campanha publicitária. Para tal contratou a única agência de publicidade em Portugal. A agência socorreu-se de Fernando Pessoa, na altura ainda não era o grande poeta que hoje conhecemos que resumiu a bebida numa frase interessante – Primeiro estranha-se depois entranha-se. Como em Portugal vigorava um regime fascista, liderado por António Salazar, que impedia a liberdade que hoje temos, o diretor de saúde de Salazar classificou o produto como uma espécie de droga, pelo que a bebida foi proibida.

Contudo, continuou a fazer sucesso na América.

Bom então a Coca Cola, nos anos 30, decide usar São Nicolau para fazer publicidade na América. A tal figura tosca que representava o Pai Natal pela forma como se vestia parecia um velhote bastante bêbado e isso não ligava nada com aquela bebida, tipo xarope açucarado.

Então a Coca Cola, contratou um artista americano, Haddon Sundblom para desenhar um fato para o Pai Natal. Dos vários desenhos, a Coca Cola escolheu aqueles que tinham as suas cores, vermelho e branco. A partir daí o fato do Pai Natal passou a ser o que conhecemos hoje, lá lá vão quase 100 anos.

O António com a curiosidade satisfeita preparava-se para se despedir do avô quando este lhe disse.

Então já vais?

É que falta responder porque se penduram as meias na véspera de Natal e ainda te queria falar de outra coisa.

Pois é avô tinha-me esquecido dessa.

As meias também têm a ver com S. Nicolau que pertencia a uma família abastada, Com a morte dos seus pais numa epidemia, ficou sozinho e muito rico. Como era bom cristão resolveu ajudar os mais pobres mas cedo percebeu que se ficassem a saber da sua grande fortuna seria pressionado por todo o tipo de vigaristas e parasitas pelo que resolveu ajudar de forma anónima, realizando os seus actos caritativos disfarçado.

Ficou a saber que um homem tinha perdido todo o seu dinheiro num mau negócio e que por isso ficou impossibilitado de dar dotes às suas filhas para se casarem, nem tão pouco conseguia mantê-las em casa por falta de sustento. A única alternativa que lhe restava era vendê-las para prostituição.

S.Nicolau resolveu agir. Passou pela casa do homem e atirou um bolsa cheia de ouro através da janela aberta do quarto de uma das filhas. No dia seguinte atirou outra bolsa de ouro pela janela da segunda filha. Intrigado, o homem escondeu-se debaixo da janela da terceira filha, apanhando S. Nicolau quando atirou outra bolsa de ouro.

S.Nicolau implorou-lhe que não contasse a ninguém as suas acções o que não foi cumprido.

Quando mais tarde esta história foi conhecida, veio a saber-se que uma das filhas tinha encontrado a bolsa de ouro dentro de uma das suas meias que estava a secar à janela, porque S. Nicolau tinha depositado a bolsa propositadamente dentro da meia em vez de a atirar para dentro da janela. E assim nasceu o costume de se pendurar meias na chaminé para que o Pai Natal deposite dentro delas as prendas para os meninos.Que giro avô.

Deixa-te estar aqui mais um pouco vou contar-te uma história que entristece o Natal e as suas celebrações. O António anichou-se no avô, entusiasmado com mais uma curiosidade.

O avô perguntou-lhe; Sabes que há famílias que proíbem os avós de ver os netos?

O António, estupefacto, dada a sua grande estima pelo seu avô e porque já havia perdido a avó, perguntou-lhe, porquê?

O avô, disse-lhe que embora conhecesse muitas histórias e curiosidades sobre o Natal, não tinha resposta para lhe dar.

O António, acrescentou que os pais deles nunca o impediriam de ver o avô e, mesmo que o fizessem ele viria sempre visita-lo e rematou, vou procurar saber porquê.

Meu neto escusas de procurar, o Mundo evoluiu tanto, já fala de Inteligência Artificial, capaz de resolver de forma rápida tantos problemas, mas ainda não resolveu o problema da estupidez humana.

As pessoas perderam a bondade, a compreensão e a gratidão, ao mesmo tempo adotaram e mantêm as celebrações, nomeadamente as do Natal, por puro espírito consumista, preferindo privar este relacionamento de tão grande importância para todos.

Curiosidades baseadas no livro Mistérios do Natal de Desmond Morris - Publicações Europa América - 1992, com a exceção da última parte do conto.

01
Mai24

Falta de indignação


Vagueando

Lembram-se do acidente ocorrido na A6 de que resultou a morte de um trabalhador, envolvendo o carro do ex-ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita?

De certeza que toda a gente se lembra, dada a cobertura mediática que o mesmo teve.

Por acaso sabiam que na passada Segunda Feira, na A7, um trabalhador da Ascendi morreu atropelado.

Provavelmente não!

Isto porque o que interessa não é a morte de uma pessoa, muito menos as causas do acidente, mas sim não ter envolvido um político, um membro do governo ou uma figura pública.

O ano passado o fecho da Operação Páscoa saldou-se em 15 mortes o que me levou a publicar um post com o título 15 mortes nenhuma indignação.

Ao ver a imagem do veiculo que na passada Segunda-feira atropelou mortalmente o trabalhador na A7, podem vê-la aqui, as semelhanças dos estragos causados são muito semelhantes aos que ococrreram no carro do ex-ministo, ou seja o embate dá-se também do lado esquerdo. As imagens do carro do ex-ministro pode ser vista aqui.

Porque não se montou um circo mediático igual, nem ninguém foi entrevistar a família do infeliz trabalhador da A7? A ACA-M Associação de Cidadãos Auto Mobilizados, que se manifestou no acidente com Eduardo Cabrita e constitui-se assistente no processo judicial subsquente, não se veio pronunciar sobre este acidente porquê? Não poderia dar explicações ou esta morte não dá visibilidade?

Os meus sentidos pêsames à família do infeliz trabalhador.

03
Set22

As veredas


Vagueando

O meu avô, homem de perna alta, de passo vivo e cadenciado era caminheiro profissional, era esse o seu único meio de para se transportar entre lugares.

Quando o acompanhava, ainda jovem, era obrigado a fazer pequenas corridas para o conseguir acompanhar. Sem hesitações nos cruzamentos e entroncamentos de veredas palmilhávamos quilómetros por entre casas isoladas, conhecidas por montes, povoações minúsculas e pequenas aldeias.

Afugentava os cães que se atravessavam no caminho que, ao contrário do ditado, ladravam e mordiam. Os cães não o apoquentavam, tinham-lhe muito respeito, por mais ferozes que parecessem, fazia-os sempre fugir, se fosse necessário à pedrada. Nunca me lembro de ter levado uma dentada, fosse de que cão fosse.

Quando se ia a uma povoação maior o meu avô dizia que se ia ao Povo. Era lugar onde se via muita família (sinónimo de muita gente) e onde existia um mercado e, de tempos a tempos, uma feira, que estava ali, encostada ao Povo onde se vendia gado (porcos, bois, vacas, burros, mulas) e no meio desta, o gado organizado de forma desordenada, circulava gente curiosa como eu e quem queria fazer negócio.

Aprendi com ele o significado das veredas e o prazer de caminhar nelas. Recordo neste texto, que ele reconhecerá, mesmo sem saber ler e sem ter acesso à Internet, nem ao mundo dos vivos, as nossas caminhadas.

Dizia-me que a vereda era um caminho estreito, da largura do espaço que uma pessoa precisa para caminhar e que se aprendia a segui-la, com o tempo e a experiência. Não havia indicações nem tabuletas (também se as houvesse poucos saberiam lê-las) com as direções ou destinos a seguir, não havia GPS, era tudo de memória. Cada pessoa guardava na sua cabeça uma série de veredas que davam a acesso a todos os lugares para onde precisavam de ir.

Se fosse necessário seguir até um local novo, esse mapa mental não tinha gravado o caminho, mas sabia a direção, se para Norte, se para Sul, se para Este ou Oeste e, com base nesses quatro pontos cardeais, se escolhia a vereda certa para onde se queria ir pela primeira vez. Sempre que a vereda se dividia em duas três ou mais direções a escolha era racional, bastava olhar para o Sol que nos dava um dos pontos cardeais e, a partir daí tudo era fácil. As veredas nunca se enganavam, muito menos eram capazes de enganar alguém, até porque, quem as observava também não se deixava enganar.

Grandes duplas formavam as veredas e as pessoas que nelas caminhavam, verdadeiras equipas recheadas de estrelas ou não fosse o Sol uma bela estrela.

Dizia o meu avô que a vereda era o melhor caminho, o mais curto, o mais belo, o mais conversador, sim aparecia sempre alguém em sentido contrário com o mesmo espírito, ir de um lado ao outro, pelo caminho mais curto e mais belo, mas com tempo para dois dedos de conversa. Contudo, estas conversas nunca incluíam qualquer pergunta sobre o caminho a seguir, toda a gente seguia o seu próprio caminho.

A vereda era o caminho de todos, para todas os destinos, que passava por todas as casas, aldeias, serras, rios, fontes e riachos.

As pontes eram raras, as que existiam eram improvisadas e, obviamente, estreitas. Mas quando não estavam lá, a dar a passagem para a outra margem, eram as poldras que nos transformavam em equilibristas e só com muito malabarismo se chegava com os pés secos à outra margem.

Quando, era preciso transportar alguma coisa, por exemplo água, o burro seguia a vereda com o meu avô atrás sem que fosse necessário indicar-lhe o caminho. Quando se lhe montavam as cangalhas em cima da albarda onde se anichavam dois potes de barro, ele sabia que era para ir ao poço. As veredas também nunca enganavam os burros, até porque, tal como os homens, eles também não se deixavam enganar.

As veredas eram caminhos abertos pela passagem de muita gente a pé, não estavam sujeitos a planos das Juntas de Freguesia nem das Câmaras, não exigiam expropriações, nem projetos, nem autorizações dos proprietários dos terrenos onde passavam. Eram pura cooperação entre vizinhos e afastados. Eram tão-somente isso, serventias, o espelho das necessidades das gentes do Algarve para comunicar entre si e identificavam-se por uma ténue linha sem vegetação, composta por pó vermelho, tão característico do Algarve, que parecia fumegar debaixo dos nossos pés, tão fino que espirrava debaixo dos sapato a cada passada.

A vereda era uma linha simples, umas vezes reta, outras vezes curva, outras vezes às curvas e contracurvas para contornar obstáculos como árvores, silvados, desníveis e pedras, trabalho de muitos passos, de muita gente que não passeava por ali, mas passava por ali, muito antes de mim e do meu avô, há vários anos, várias gerações de passos deixando a sua pegada, muito ecológica, em tantos quilómetros de veredas.

As veredas eram a marca, de muita gente, dos seus destinos, das suas histórias e das suas estórias dos seus encontros e, porque não dizê-lo, dos seus medos, frustrações, raivas e alegrias tudo registado naquela fina falta de vegetação e da transformação da terra dura em pó fino de tanta pisadela que levou.

A vereda tinha sempre acompanhamento musical, ora dos grilos e cigarras ora da passarada que saltitava de árvore em árvore, de pedra em pedra, do tilintar dos chocalhos dos rebanhos e ainda tínhamos espetáculos de cor, movimento e luz. Borboletas multicoloridas esvoaçavam à nossa volta, as nuvens que filtravam o sol e nos faziam sombra, alteravam a cor da paisagem, cenas fantasmagóricas provocadas pelas trovoadas ou molhadas, se instalavam ali mesmo por cima de nós e os relâmpagos que nos faziam temer vir a servir de para raios entre a descarga e a (terra da)vereda.

As veredas também tinham cheiro, consoante a época do ano, a esteva, a figos, a amêndoa, a terra molhada, quando chovia no Verão, a trampa de ovelha, mula, de burro e de cão. Não é possível reproduzir estes cheiros num texto, mas estas misturas ao ar livre nem sequer se pode dizer que fossem desagradáveis, faziam parte do caminho e pronto. Se algum algarvio, com mais de 50 anos, ler este post, é bem capaz de imaginar e de sentir os cheiros que aqui descrevo.

Nas veredas foram ficando histórias de homens e mulheres, crianças e adolescentes, amores e desamores e de tantos pastores que aliviaram as dores e o cansaço, esperando sentados nalgum valado já meio descambado enquanto as suas ovelhas pastavam e saltavam, vezes sem conta aquela valado, escramalhando (sinónimo de espalhar, fazer cair) o alinhamento das pedras que o compunham. Assim tivéssemos aprendido a ler terra pisada e teríamos extraído dali, daquela linha estreita, muito conhecimento.

Aprendi a gostar de caminhar naqueles caminhos de pó vermelho, tão característico do Algarve, chamava-se-lhe “poredo”, adorava bater os pés contra aquele pó fino, espalhando-o pelo ar, sujando os sapatos e as calças, enfim, mostrar aos graúdos que tinha feito uma grande caminhada. As veredas eram caminhos de movimento, ambientalmente sustentáveis, por lá passavam, pessoas e bestas, mulas e burros, que cabiam naquela estreitíssima largura de caminho onde nem as pegadas ficavam visíveis , porque tudo eram só montinhos de pó, completamente desalinhados.

Se encontrar uma vereda (se calhar conhece-a por trilho) palmilhe-a, observe-a, deixe-se encantar, siga-a. No fim não vai encontrar o caldeirão de ouro, mesmo que o arco íris a intersete nalgum ponto, mas vai encontrar histórias e, quem sabe, ainda vai descobrir que alguém da sua família, mais próxima ou mais afasta deixou ali a sua pegada há muito, muito tempo.

As veredas morreram, porque já ninguém anda a pé por necessidade, porque as bestas foram impedidas de trabalhar e os rebanhos também praticamente desapareceram.

As veredas deram lugar às estradas, onde não passeiam pessoas, nem bestas, nem rebanhos e as estradas estão reservadas aos carros que levam as pessoas aos seus destinos, muitas vezes conduzidas por bestas.

19
Dez21

Aquele Natal foi diferente


Vagueando

Este era o seu primeiro Natal fora de casa, tinha 6 anos. Naquele ano, em vez dos seus avós se deslocarem a Sintra foi ele até ao Algarve.

Na altura a casa dos seus avós não tinha sequer uma estrada.  Ficava num outeiro, num escampado, longe de tudo. Depois de sair da estação de caminho-de-ferro tinha que se percorrer 12 km, sendo que 3 km ou se faziam a pé ou de carroça.

A casa não dispunha de água canalizada, apenas uma cisterna, nem de eletricidade. Aliás, num raio de 10 km as poucas casas existentes não tinham energia elétrica.

As noites eram escuras que nem um breu salvando-se as de lua cheia, cuja luz parecia tão mais forte do que é hoje. Os avós tinham um cão enorme, também conhecido por cão fantasma, o que ele era nestas noites de luar.

Não existia, nem se suspeitava que pudesse vir a existir aquilo a que hoje se chama poluição luminosa, muito menos se suspeitava que anos mais tarde, estaríamos dispostos a pagar para puder observar o céu sem a atual poluição luminosa, quando, naquela altura queríamos era fugir dali.

O céu era escuro, muito escuro, as constelações eram facilmente identificáveis, a estrela polar idem e o melhor de tudo, todos os dias as estrelas cadentes davam espetáculo.

E porque é que isto é um conto de Natal? Pois não sei!

Não havia Bimbys, não havia máquinas de lavar louça, nem roupa, não havia gás, não havia frigorífico. Não existiam supermercados nem lojas de conveniência nem pastelarias. Compras online ou a UBER Eats eram coisas que nem a ficção científica ainda tinha abordado, e as poucas mercearias existentes, eram a mais de 10km, fechavam aos Sábados à tarde e ao Domingo, pelo que preparar a refeição de Natal era uma tarefa logística gigantesca, o esquecimento de algum ingrediente deitava tudo por água abaixo.

Mas havia espírito de Natal, talvez por isso, isto seja um conto de Natal.

As mulheres passavam o dia a cozinhar a ceia. Para além disso faziam pão, biscoitos, fritos, rabanadas, fatias douradas, sonhos. Os homens ajudavam nas tarefas mais pesadas, como carregar os alguidares de barro cheios de massa, a qual amassavam com vigor, transportavam os tabuleiros de madeira cheios de pão, empilhavam lenha para o forno e para as lareiras. Para além disso limpavam os estábulos dos animais e alimentavam-nos. As crianças mais velhas, encarregavam-se de pôr a mesa, fazer pequenos recados e no fim secavam a louça que era colocada em armários de madeira rústica e tosca, cujas portas fechavam com fechos de aldraba.

Toda a gente trabalhava de forma solidária, a casa mais próxima era a 300m e a outra a 500m, sem estrada que as ligasse.

Ainda assim os preparativos de Natal eram feitos em conjunto, economia de escala. Várias panelas de ferro com 3 pernas eram postas ao lume em cima de brasas numa das casas, cozia-se couves, bacalhau, batatas, nabos, cenouras. Na outra casa, ateava-se fogo ao forno onde se cozia pão, dois ou três tabuleiros com cerca de 30 pães, esperavam para entrar para a cozedura e depois seguiam-se os perus para assar ao lado do polvo, que ia a este forno transformar-se em lagareiro. Na última casa, faziam-se as filhoses, os fritos e outros bolos à base de batata doce.

As crianças corriam de casa em casa, com um petromax  (lanterna a petróleo) na mão com que iluminavam a vereda (caminho de pé posto), para levar algo que estivesse a fazer falta e na hora de sair o pão do forno, um dos pães era grosseiramente partido à mão, molhado em azeite e açúcar ou seja uma tiborna, que eram repartidos e transportados pelas crianças às outras casas.

Ao principio da noite, depois de feita a distribuição da comida, cada família reunia-se na sua casa para celebrar o Jantar de Natal em grande alegria.

À meia-noite as mulheres pegavam nos seus terços, acompanhando a Missa do Galo pelos pequenos transístores (rádios de bolso a pilhas) e as crianças andavam de casa em casa a tentar descobrir em que chaminé tinha descido o Pai Natal para deixar as almejadas prendas.

Depois de correrem todas as casas, não encontraram nada, ficaram perplexas e zangadas pela falha do Pai Natal.

O avô entrou em cena, com aquela calma que caracterizava os avôs da época, levou-as ao telheiro onde também se cozinhava nas brasas e lá estavam as prendas, naquela chaminé cheia de fuligem do negro fumo da lenha, da muita lenha ardida ao longo do ano.

Desta vez o Pai Natal tinha deixado tudo cá fora, para por a criançada em polvorosa.

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