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Generalidades

Generalidades

31
Jan24

As estações do desconforto


Vagueando

 

A resposta ao desafio 1foto1texto de hoje são várias fotos para um texto.

Saio de casa bem cedo, para um compromisso de saúde previamente agendado. Chove, o vento é forte, está frio, parece que devido às depressões Irene e Juan. Entro na Estação de comboios de Sintra mas é como se continuasse na rua.

O telhado deixa passar a água da chuva como se não existisse. É normal nas estações de comboio portuguesas, não protegerem os passageiros das intempéries. Não protegem porque estão degradadas, não protegem porque a CP ou a IP se estão marimbando para os seus clientes, não protegem porque a arquitetura que as concebeu privilegiou o design ou, eventualmente o ego do arquiteto em prejuízo do conforto do passageiro, em suma é normal achar-se que o clima em Portugal é quentinho e fofinho poupando-se dinheiro(o que não é necessariamente a mesma coisa de que evitar défices nos seus balanços) de as fazer confortáveis.

Para temperar o desconforto, a instalação sonora (talvez rouca da humidade no interior desta gare) cansada de anunciar os muitos atrasos da CP - só descansa em dias de greve informa que o (meu) comboio circula com um atraso de 12 minutos. Os relógios da estação, mostram horas diferentes e ambas erradas, manias, estão ali para enfeitar e não para informar, são apenas mais uma fonte de stress.

O comboio chega, sento-me (privilégio de quem entra na primeira estação) e sai com o atraso previsto, chegando a Lisboa, acumulando mais 10 minutos de atraso. Uma viagem de 40 minutos, demora mais 22 minutos que o previsto.

A Gare do Oriente, a estação ferroviária mais moderna e recente do país é o ex-libris da beleza máxima, conforto (muito abaixo do) mínimo, o oposto da Estação do Rossio, que conseguiu juntar antiguidade, beleza e conforto, uma autêntica raridade no panorama nacional.

Entro no Metro as passadeiras rolantes, que me poderiam fazer recuperar algum tempo, estão paradas. Deduzo, não existe nenhum aviso, que a paragem se deve a uma de duas coisas;

1- Zelar pela saúde dos utentes fazendo-nos caminhar, no meu caso em ritmo acelerado para recuperar os 20 minutos de atraso.

2- Zelar pelo ambiente, menos consumo de energia - supostamente - melhor ambiente. Ora não excluindo a hipótese de estarem avariadas, mais uma vez a falta de respeito pelo utente, avisos não há, nem sobre a eventual avaria, muito menos quando estará resolvida.

Se por hipótese for uma avaria, a IP teve conhecimento mas, não estará reparada porque a empresa encarregue da manutenção não tem as peças para substituir e não as tem porque a empresa fornecedora ainda não as enviou e esta não as enviou porque o transportador falhou e este último falhou por causa de qualquer coisa que não lhe é imputável.

Afinal estamos em Portugal, é normal não se considerar necessário vir a público dar qualquer explicação, a competência deste do assunto é sempre de outro qualquer, excepto, quando, por qualquer razão ou reestruturação, levada a cabo por qualquer governo, a competência que afinal era sua, lhe é retirada.

Aí sim, aparecem a defender a sua dama, mais que não seja, defendendo que o serviço público fica posto em causa com a tal transferência de competências de A para B.

Os websites destas empresas, donas das estações, da empresas encarregues da manutenção, das empresas que forneceram os equipamentos, apresentam-nos bem embrulhadas em marketing. Estão todas certificadas com as normas xpto qualquer coisa, são mais verdes que os lagartos, estão na rota da sustentabilidade e, imaginem, lá num cantinho qualquer, existem para nos servir.

Depois destas peripécias que não o são (estou a abusar do significado da palavra) porque isto é o dia a dia, saio do Metro e entro numa zona pedonal onde nem sequer deviam circular carros, eis que uns quantos estão lá parados.

Entro no estabelecimento de saúde, privado, para fazer o tal exame, um audiograma. Ouço mal mas vejo bem, não se pode ter tudo.

O sistema está em baixo (também acontece frequentemente) às vezes até para pagar se demora mais tempo do que na consulta ou no exame. Mesmo ouvindo mal vejo as filas e o desespero de alguns com pressa para se ir embora e não deixo escapar o comentário de um utente – O sistema de cobrança do estacionamento nunca vai abaixo e eu aqui a acumular mais uma conta, a de estacionamento, para pagar a conta do hospital.

Peço desculpa mas isto não é desculpável, mesmo que sirva de desculpa para descarregar a culpa neste, no anterior, no próximo governo ou nos políticos que os integram, integraram ou venham a integrar.

A culpa nos casos que relatei morre solteira todos os dias, porque a casam sempre com o governo, com os políticos, com isto é o país que temos, quando deveriam ser estas empresas a dar cara aos utentes.

E quanto aos carros mal estacionados o cidadão comum não se defenda a dizer que isto é uma bandalheira ou que a polícia não faz nada, a solução é não estacionar em cima do passeio, ponto!

Se o Polígrafo ler este post e for fazer a verificação do conteúdo, agora está na moda o “Fact Check” em vez de concluir por Falso, Verdadeiro, Verdadeiro mas ou Pimenta na língua, vai colocar mais uma hipótese que consiste em perguntar;

Quem é este gajo?

05
Out23

E a culpa é de .....?


Vagueando

A sociedade de hoje encontra sempre um culpado para tudo.

Há uns bons anos a sociedade tinha dificuldade em dirimir conflitos. Resolveu a questão com uma coisa a que veio a chamar “Justiça”para encontrar e condenar os culpados.

Entretanto, esquecida a história da Justiça que, temos que assumir teve muito mais sucesso e cometeu muito menos erros do que justiça popular, entrámos na era em que os julgamentos, antes de chegaram aos Tribunais, são feitos com espetáculo gratuito (não há almoços grátis onde é que já ouvi isto?), na praça pública liderada pelos jornais e redes sociais.

Ora o povo ou seja a sociedade, com ou sem justiça, sempre disse que de Espanha nem bons ventos nem bons casamentos, exceto, nos combustíveis.

Pois é, por culpa do governo, deste ou dos outros, o interior foi sendo abandonado (ah se em vez do interior se se tivessem abandonado uns animais, a coisa já tinha piado mais fino) criando os chamados custos da interioridade.

Incluem-se nestes custos, a deslocação com portagens quanto se viaja por auto-estrada, a inexistência de comboios, e a falta de políticas e de infra estruturas que fixem pessoas no interior.

Enquanto as soluções não chegam e as hipóteses de usar Super Cola 3 nos sapatos dos residentes, fixando-os de vez, só ainda não foram avante por falta de orçamento para comprar a cola e para pagar às equipas que iriam aplica a cola, parece que o governo de Espanha tem vindo a mitigar estes custos, ao fornecer combustível e gaz muito mais barato, ali mesmo ao lado do interior.

Afinal de Espanha não vêm bons ventos nem bons casamentos mas vamos lá nós atestar o carrito e de caminho trazemos o gaz. Isto foi um aparte.

No passado dia 24 de Setembro, decidi comprovar esta teoria viajando até Espanha.

Abasteci o meu carro com Diesel Optima da Cepsa em Sintra ao preço por litro € 1,828 e, no mesmo dia, noutro posto Cepsa em Espanha, o mesmo Diesel custou € 1,829.

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Ora toma!

Não sei os espanhóis me identificaram como não sendo residente no interior, se a publicidade dos combustíveis mais baratos é enganosa ou se afinal é o mercado a funcionar.

De regresso a Portugal, no dia 28 de Setembro, escaldado pela experiência do dia 24, afinal à primeira todos caem à segunda só cai quem quer, resolvi adiar o abastecimento de combustível para o nosso país.

Parecia uma decisão sensata, a partir de dia 25 o preço deste combustível, segundo o mercado desceria 2 cêntimos e a partir do dia 26 entrava em vigor a redução do IVA sobre os combustíveis o que implicava uma redução de mais 2 cêntimos.

Abasteço então na Cepsa, em Cinfães, no dia 28 e paguei pelo mesmo tipo de combustível €1.938, litro.

Entre o preço pago em 24 de Setembro (Domingo) e o preço pago em 28de Setembro (Quinta), uma descida de 4 cêntimos por litro transformou-se numa subida de 11 cêntimos. (1.938 – 1.828= 11)

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Ora toma! Já não se pode confiar, nos governos de Portugal e Espanha, no mercado, nos revendedores.

A culpa é então de quem?

22
Mar22

Os Amigos dos Comboios também andam a pé, mas na linha


Vagueando

Foi a segunda vez que fiz este lindíssimo percurso nesta linha férrea fechada ao tráfego ferroviário em 1985. A primeira vez, foi há cerca de 25 anos.

Vim pela aventura mas porque também envolvia uma via férrea, com muitos túneis e pontes, o que ainda me fascinou mais. Desta vez voltei, com a minha mulher e um amigo, com o mesmo gosto pelos comboios, mas despido de qualquer espírito de aventureiro, muito menos de aventureiro tipo rede social, que não espera que a dita seja para sua segurança, mas sim a catapulta para o estrelato .

Regressei imbuído do mais profundo respeito por todos aqueles que trabalharam arduamente na construção desta via-férrea, esses sim os verdadeiros aventureiros desta obra que, 135 anos depois, ainda perdura, muitos dos quais nunca a viram concluída, porque morreram a construi-la. Sobre estes homens e, porque não dizê-lo, sobre os inúmeros animais de carga que trabalharam nesta construção não existem registos filmados e os que eventualmente existem, não os mostra a fazer poses estudadas e ensaiadas para a camara de filmar. Mostram-nos a trabalhar em condições de segurança certamente deploráveis à luz do que sabemos hoje.

E regressei também porque o Camino de Hierro, fazendo justiça aos sacríficos de tantos quanto trabalharam nesta grande obra, em boa hora se lembrou de reabrir esta via para que não se perdesse tudo, o trabalho, o comboio, o património e as pessoas, num local onde estas já quase não existem. A Instituição Camino de Hierro, limpou, cuidou, preservou, informou, criou excelentes condições de segurança, para que seja possível, com um impacto ambiental mínimo (o que também é também característico do comboio), ver este magnífico percurso com os nossos próprios olhos. Só assim podemos realmente apreciar a beleza e a imponência deste magnifico traçado.

Fazer este percurso a pé, passando cada um dos vinte túneis e cada ponte a pé, é uma experiência que pode ser contada, pode ser filmada, pode ser vista virtualmente, mas nenhuma destas hipóteses lhe dará a mais pálida ideia do que é lá estar. Existe muita informação sobre este percurso, Rota dos Túneis como a designamos em Portugal ou Camino de Hierro, como a designam os nossos vizinhos espanhóis, pelo que este meu texto é mais um no meio de tantos.

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Contudo, gostaria que fosse diferente na medida em que o meu objetivo não é tanto descrever o passeio, mas sim contar o que o trajeto nos conta, mesmo que não fale com ninguém, nem em português nem espanhol, até porque o silêncio é uma constante ao longo de todo o percurso e deve ser especialmente preservado dentro do túneis 1 e 3 por causa da grande comunidade morcegos que neles habitam, mas sabe comunicar e bem.

Basta que ao longo do percurso se Pare, Escute e Olhe.

 

Em 1864 uma comissão técnica luso-espanhola sugeriu a construção de cinco ligações ferroviárias entre os dois países onde se incluía uma linha que ligaria Barca D’Alva a Ledesma, por La Fregeneda e Vitigudino. Em 23 de Julho de 1883, por pressão de empresários portuenses, foi aprovado por Decreto-Lei o prolongamento da Linha do Douro até a fronteira luso-espanhola, na freguesia de Barca d’Alva. A Compañía del Ferrocarril de Salamanca a la Frontera de Portugal, foi constituída em Madrid a 8 de Janeiro de 1885, com capital social exclusivamente português, para angariar fundos destinados à construção da via do lado espanhol, afinal eram os empresários portuenses através dos Bancos da cidade do Porto, os principais interessados em ligar o Porto à Europa. O troço que liga a estação de La Fregeneda a Barca D’Alva tem cerca de 17km de um total de 77 km que começava na Estação de San Esteban. É por isso que ao longo de todo o nosso percurso vamos vendo a marcação dos km a partir do Km 60.

A entrada em Portugal implicou a construção da Ponte Internacional sobre o Rio Águeda, ponte essa sujeita a inúmeras discussões, decisões e erros. Ora era necessário atravessar o rio na perpendicular ou de forma oblíqua, ora os custos com a sua construção deveriam ser suportados pela empresa encarregue da construção da linha ou pelos dois estados em partes iguais, razão pela qual o orçamento entregue pela empresa responsável não incluiu os custos da sua construção e ainda porque a ponte tinha que ser concebida de forma a ser facilmente destruída em caso de guerra.

A construção destes 17 km de via-férrea foi bastante dura devido à orografia do terreno que obrigou à abertura de 20 túneis e à ligação dos desníveis com 10 pontes. Para trás ficam ainda mais três pontes, a de Yeltes ao km 18, com um comprimento de 156,80 m e 39 m de altura, a de Camaces, ao Km 39,65, com um comprimento de 60,7 m e 13,26 m de altura e a de Froya, ao km 60,4 (portanto muito próxima do início do percurso em La Fregeneda) com 165,74 m de comprimento e 34,6 m de altura. Mais de dois mil trabalhadores executavam tarefas perigosas, como a utilização de dinamite para a abertura dos túneis, escavando grande parte com picaretas. A força humana foi complementada com a ajuda da força de animais de carga.

Estes perigos aliados à falta de infra estruturas sanitárias, condições de segurança no trabalho e numerosas epidemias, causaram a morte a muitos operários, tendo sido necessário construir nas imediações da estação de Valnoguera em La Fregeneda um cemitério, onde eram sepultados os operários mortos e depositados também animais que pereceram na construção.

Em 9 de Dezembro de 1887 a linha foi inaugurada, com a cerimónia a decorrer na Ponte Internacional, tendo o Porto ficado ligado a Salamanca e, a partir daí à Europa. Curiosamente a foto da inauguração da ponte que consta no site do Camino de Hierro, gerido pela autarquia de Salamanca, foi tirada por Carl Emíl Biel, nascido na Alemanha em 1838 que emigrou para Portugal onde se fixou e aportuguesou o seu nome para Carlos Emilio Biel, sendo o tetravô de Rui Moreira, atual presidente da Câmara Municipal do Porto. É a ele que devemos muitas das fotos das obras de arte ferroviária no norte do país, com especial relevo para a Linha do Tua, deixando aqui a recomendação de lerem o livro 1887 a Linha do Tua de Emilio Biel, edição do Projecto FozTua.

Resumir toda a história desta linha, mormente as dificuldades na sua construção numa ou duas folhas, não refletiu as dificuldades dos que nela trabalharam, numa altura em que não existiam máquinas, apenas e só a ajuda de animais de carga. Por me parecer de mais elementar justiça, deixo aqui algumas notas dessas dificuldades. 

  • A povoação de La Fregeneda era abastecida com água do rio Águeda. A forma de a ir buscar era recorrer a burros que desciam ao rio através de estradas ou melhor veredas. Estão a imaginar o batalhão de pessoas e burros necessários ao transporte de água na altura da construção da via-férrea.

Para além da torre, o lado esquerdo da foto, assinalado a vermelho é possível ver as ruínas de uma casa que poderia ser uma oficina de ferreiros ou uma enfermaria para apoio aos trabalhadores das obras.

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  • Devido às dificuldades de captação de água, a seguir ao Tunel 4 e ainda em cima da Puente de Poyo Rubio é possível ver uma Torre com mais de 60 metros de altura, construída em 1963, que serviu para captar água bombeada do rio (estamos a falar de uma encosta com um desnível de 500m), bomba essa que foi instalada a seguir ao túnel 8.
  • Durante a construção da linha entre 1883 e 1887 faleceram 1.331 pessoas cuja relação com a construção da linha era a seguinte:
    • Mortes por acidente 71
    • Mortes por crime 10
    • Mortes acidentais 15
    • Mortes por doença 226
    • Familiares de trabalhadores mortos por doença 23
    • Residentes mortos por doença 989 Total 1.334
    • Do total de mortos por acidente, 16 morreram afogados no túnel 1 devido a uma violenta tempestade que alagou o túnel e 6 que morreram por asfixia devido a um deslizamento de terras em Arroyo de Lugar.

Dados recolhidos no livro “El Ferrocarril de Abadengo de de Emilio Rivas Calvo, lançado em Novembro de 2021.

A maioria das mortes foi motivada por doença, sendo de salientar 126 por paludismo, 145 por Gastroenterites e 72 por enterites. A maioria dos falecidos eram de localidades próximas como Lumbrales, Hinojosa e La Fregeneda. Contudo, também ocorreram mortes de trabalhadores estrangeiros, nomeadamente um portugueses, um alemão, um belga e um francês. O português acabou morto numa rixa, o que era frequente entre trabalhadores de outros países e de outras províncias espanholas, mal vistos pelos residentes em La Fregeneda, devido a rivalidades e porque a sua presença era vista pelos locais como a causa de especulação de preços de bens de primeira necessidade.

  • As pontes foram construídas por discípulos de Gustave Eiffel a quem se deve a invenção em 1879 de pontes pré-fabricadas padronizadas, sistema que nasceu de uma conversa entre este Engenheiro e o governador de Cochin na China. Estas pontes usavam um pequeno numero de componentes padrão o que permitia o seu transporte em áreas com estradas degradas ou inexistentes, sendo que estes elementos eram unidos com parafusos em vez de rebites o que também permitia reduzir o número de operários qualificados no local da obra, razão pela qual especulo eu, que esta característica terá sido muito útil na construção das pontes desta via férrea.

É a partir desta ligação ferroviária, que Eça de Queiroz, auto-caricaturando-se de Jacinto, personagem do seu livro A Cidade e as Serras, entra de comboio em Portugal, vindo de Paris. Jacinto, o homem rico, educado e viajado a viver num palacete em Paris, rodeado de criados e de todas as inovações (à altura invenções) da época e que, ainda assim, vivia entediado e contrariado, acaba por ser obrigado a viajar para o Douro, acabou por se apaixonar pelas suas paisagens.

A ligação de La Frgeneda a Barca D’Alva, segundo  Jacinto, foi feita de noite, a avaliar pela descrição que faz no livro da chegada a Barca D’Alva, estação fronteiriça, pelo que não terá tido oportunidade de apreciar este percurso naquela viagem.

—.percebi junto do meu catre, na claridadezinha da manhã coada pelas cortinas verdes, uma fardeta, um boné que murmuravam baixinho com imensa doçura;

—V.Exas não têm nada a declarar?

—Era a minha terra!

E de seguida, à chegada à Régua, enquanto acariciava o bigode, exclama;

—O Douro hem?.. Tem grandeza.

Grandeza é a palavra certa, se calhar até pequena demais, para designar esta zona. A grandeza do rio Douro vem da sua largura e da regularização imposta pelas barragens o que permitiu que o seu curso se transformasse num espelho de água, o qual reflete toda a imponência da obra humana que foi sendo erguida, através dos socalcos e da arquitetura das suas casas e do serpentear da sua linha. A grandeza do rio Águeda e das montanhas que o rodeiam ao longo do percurso é bruta, é a natureza a impor-se ao homem. Só a sua grande capacidade de moldar o meio ambiente tornou possível, ainda que com um custo elevado em vidas humanas, abrir esta via-férrea. Contudo, o seu encerramento, desertificou a povoação de La Fregeneda mas incrementou a vida selvagem, nomeadamente através da presença de várias aves de rapina que por vezes se deslocam até à antiga linha do comboio, sendo possível cruzarmo-nos com elas e também a maior comunidade de morcegos da Europa, que habitam dentro do túnel 1 e 3.

A caminhada, na linha

Não vou descrever todo o percurso ainda que deixe no final um link para puderem ver as fotos e a lista de túneis e pontes, sendo certo que nestes 17 km, mais de 4 km são feitos dentro de túneis e um pouco mais de 1 km são feitos em pontes, em suma, 30% do passeio desenrola-se debaixo do solo ou suspenso em pontes. Se sofrer de claustrofobia e/ou de vertigens deve equacionar a possibilidade de não fazer este percurso. Quanto à claustrofobia é fácil ensaiar. Como o túnel maior é logo o número 1 (1.593 m) a menos de 1km do ponto de partida, se se sentir desconfortável basta-lhe voltar para trás. Já quanto às vertigens a primeira ponte (Puente del Morgado) surge após o túnel 3, ao km 5 com uma altura de 21 metros, se se sentir desconfortável, voltar para trás pode já não ser opção. Ainda assim as pontes estão muito bem guarnecidas e protegidas, atravessá-las não será perigoso.

Este percurso está cheio de pontos altos, a começar pela altitude da estação de La Fregeneda, a 527 metros acima do nível do mar, pelo que até Barca D’Alva, que se encontra a 134 m, é sempre a descer e, como se sabe, a descer todos os santos ajudam até a contemplar as belas paisagens que encontramos.

As expectativas para fazer este percurso eram altas, ainda que para mim e para a minha mulher fosse uma repetição. Queríamos desfrutar toda a beleza do percurso sem o stress de pisar pontes em mau estado (o que aconteceu da primeira vez) e agora com conhecimento dos dados e história que levaram à sua construção, um verdadeiro desafio para a engenharia da época, bem como das dificuldades que enfrentaram, nos faria olhar de outra forma para este passeio. O nosso amigo também ia com a expectativa em alta porque já lho havíamos descrito e até mostrado algumas fotos de aventureiros a passar as pontes, antes da intervenção do Camino de Hierro.

A sucessão de túneis e pontes faz com seja impossível não estar atento a tudo o que muda tão rápido, até mesmo o rio Águeda que nos acompanha desde a saída do túnel 3 até ao final do percurso nos parece por vezes diferente, tantas são as curvas e contracurvas que as serras que o ladeiam o obrigam a fazer e que a linha, descendo graciosamente acompanha. Os túneis 1 e 3 estão devidamente fechados para evitar que alguém entre no percurso sem qualquer controlo e para evitar que se perturbe a comunidade de morcegos neles existentes.

Somos obrigados a entrar entre as 9h e as 10h, percebe-se que a intenção é garantir que quem faz todo o percurso termina até às 16h e 30m. A segurança dos visitantes é levada a sério, alguém espera por nós no final da rota para garantir que ninguém ficou pelo caminho.

O túnel 1 está muito próximo do início do percurso, o mais comprido com 1.593 metros, em linha reta e suporta a carretera CL 517 que liga Barca D’Alva a La Fregeneda e a Lumbrales. Durante cerca de 30 minutos de caminhada vamos vendo a luz ao fundo do túnel mas parece que nunca vamos lá chegar.

Próximo do km 7 saímos do túnel 6 deparamo-nos com a ponte Poyo Valiente (para mim as mais bela de todo o percurso) no final da qual está outro túnel, o nº 7. A curva à direita não nos deixa ver a luz ao fundo túnel, que está à nossa frente. À medida que nos afastamos do túnel anterior e nos aproximamos do seguinte, sem ver a saída, baralha-nos os sentidos parece que ficámos encurralados e suspensos a 16 metros de altura.

Ficamos a meio da ponte a desfrutar a paisagem olhamos à direita e à esquerda, túnel de um lado, túnel de outro, nem saída nem entrada visível. 

Ponte Poyo Valiente vista do túnel 6 com o túnel 7 em segundo plano bem como os meus companheiros de viagem no canto inferior direito

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De repente sinto-me uma criança dentro meu comboio, eléctrico às voltas naquela linha circular, assente no chão da minha sala, com um túnel fantasia em que imaginava uma ponte ali algures é que ficava bem. Era esta ponte que não conhecia mas que comporia tão bem o meu comboio.

Nos próximos 6 km a sucessão de 11 túneis e de três pontes e ainda de dois pontões é estonteante. As ribanceiras, o rio Águeda estreitinho lá em abaixo parece vir ter connosco à medida que vamos descendo, as aves de rapina vão-nos acompanhando e até um bando de grifos ia rodopiando por cima de nós.

Segundo o guia do Camino de Hierro que vai até ao túnel 3 para o fechar de novo após a nossa passagem, existia uma vaca morta na fraga, pelo que o banquete era grande.

Propositadamente não faço grandes descrições porque quero deixar o leitor estimular a sua imaginação e ficar com vontade de ir até lá e também porque não creio que exista uma forma decente de colocar em palavras todas as sensações que vamos experimentando.

Lembra-se do que disse no início a melhor forma de desfrutar o passeio é; Pare, Escute e Olhe.

A partir do túnel 17, mais ou menos ao km 13, parece haver poucos motivos de interesse, mas não se deixe enganar, é o cansaço a tomar conta de si. Observe como o rio Águeda se alargou e vai ficando cada vez mais perto de si.

Do lado de lá em Portugal começa a ver sinais de vida através da cultura em socalco, tão característica nas margens do Douro, se for na época das amendoeiras em flor, que foi o nosso caso, aí estão elas a dar o efeito de neve e eis que surge o túnel 18 e a seguir a Puente de las Almas ( que se vê também da estrada que liga Barca D’Alva a La Fregeneda e do Miradouro do Alto da Sapinha na estrada que liga Barca D’Alva a Figueira de Castelo Rodrigo).

Em baixo a Ponte de Las Almas vista da estrada que liga Barca D’Alva a La Fregeneda.

P3090167.JPG

Mais um esforço e entramos no túnel 19 e logo de seguida no túnel 20 que desemboca na Ponte Internacional. Se deixou o carro em La Fregeneda estará aqui alguém à sua espera para o levar de volta, caso contrário siga em frente até Barca D’Alva. Para além das instalações sanitárias no início e no fim, ao Km 11, mesmo antes do túnel 15, encontra-as novamente, muitíssimo bem cuidadas e limpas, com água (não potável) sabonete e toalhetes de papel para limpar as mãos. Um verdadeiro luxo, sem qualquer tipo de exageros.

Bilhete Salamanca- B Alva 11.5. 1937[3100].jpg

 

 

 

 

 

 

E para terminar em beleza, deixo a imagem de um bilhete de 2ª Classe, gentilmente cedido pela "Coleção de M. Olímpio S. Barros", que obtive com a colaboração da CP.

 

 

 

 

 

 

Ficam ainda as imagens, no link abaixo, para que possam continuar a desfrutar da beleza deste passeio, com fotos minhas, da minha mulher, Mariana Raimundo e do meu amigo António Palma.

https://photos.app.goo.gl/JWY7RHwC1wFg7xas6

Sugiro que abram os comentários que fui fazendo em quase todas elas para se situarem melhor no percurso.

Um agradecimento muito especial ao Camino de Hierro na pessoa de Rúben Garcia e Ana Cámara na partilha de muita da informação que aqui conta e espero que este texto ajude a divulgar o percurso e que constitua um incentivo a que mais pessoas possam deslocar-se até La Fregeneda para o fazer.

A história, a beleza, o esforço para o fazerem merecem ser constantemente relembrados e já que perdemos os comboios que não percamos o resto.

Por isso é da mais elementar justiça deixar aqui o link do Camino do Hierro, cuja consulta é obrigatória para poderem comprar as entradas e obter todas as informações sobre o caminho.

https://www.caminodehierro.es/

Quadro com todos os túneis e pontes ao longo de percurso.

Rota dos Túneis
TúnelNomeComprimentoPonteNomeComprimentoAltura
1La Carretera1 5931Pingallo114
2Las Majadas332Del Morgado10521
3Morgado4233Poyo Rubio11322
4Poyo Rubio544Poyo Valiente13716
5La Belleza765Poyo Valiente13716
6Poyo Valiente358
7El Pico466Pontão 166
8Cega Verde86
9Martín Gago627Del Lugar14041
10La Cortina78
11Cega Vina948De Los Poyos13539
12Lo Llanos149
13El Lugar1279Pontão 232
14La Barca135
15Los Poyos3710De Los Riscos7122
16La Porrera330
17Los Riscos20011De las Almas13319
18El Gaazaro72
19Las Almas7312Internacional18522
20El Muelle233
Comprimento Total Túneis4 259Comprimento Total Pontes 527 
08
Dez21

Pedalando no Ramal de Cáceres


Vagueando

 

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28 de Outubro de 2021, exatamente 165 anos depois da inauguração do caminho-de-ferro em Portugal, 143 anos e oito dias depois da entrada ao serviço da Estação da Beirã, eis que me encontro sentado num veículo a pedais da Rail Bike Marvão, estacionado nesta estação, antigo Ramal de Cáceres, para fazer uma viagem de 16 km (8km para cada lado) nesta via férrea, desativada desde 2011.

São 10 h, não há nuvens nem vento, a temperatura é bastante agradável, à volta dos 18º e estou acompanhado por outros aventureiros, do pedal ferroviário, nacionais e estrangeiros.

Desconheço que nome atribui a língua portuguesa a este veículo (Rail Bike) em que os únicos elementos herdados das bicicletas, foram os pedais e os travões de disco.

A curiosidade é muita, até porque sempre sonhei poder andar sobre carris naqueles trolleys movidos por duas pessoas agarrados a uma manivela, fazendo-o avançar nas linhas de comboio, influências da juventude a ver os filmes de Charlie Chaplin em que o ator, num dos seus filmes, impulsionava freneticamente a manivela de um destes veículos na perseguição a um comboio.

A Freguesia da Beirã está intimamente ligada aos comboios, ou não fosse a locomotiva um dos três elementos gráficos, juntamente com uma anta e uma fonte, que constituem a heráldica da Freguesia. Entrou ao serviço em 15 de Outubro de 1878, embora a inauguração oficial só tenha ocorrido em 06 de Junho de 1880. Começou por ser um edifício pequeno, sofreu grandes obras em 1926, altura em que lhe foi acrescentado um restaurante e um hotel e que, em boa hora, foi soberbamente aproveitado, para o mesmo efeito, pela Trainspot Ghesthouse, desde que o ramal foi desativado em 2011.

Não é assim tão comum poder-se pernoitar num edifício já com 95 anos, mas imaculado e com estas características, por um preço apetecível, rodeado de tanta tranquilidade. O antigo restaurante, a atual sala de refeições, está bem decorada, com caixas e malas da época, tudo está bem conservado, sendo de realçar o imponente teto em madeira, o qual por sua vez, serve de suporte ao chão dos quartos no piso superior.

Neste hotel e no antigo restaurante, são bem visíveis a influências do arquiteto Raul Lino, nomeadamente nos azulejos que forram as paredes. Uma estação cheia de história em que, se as paredes pudessem falar, muitas mais estórias contariam. Tudo girava à volta dela, era ali que estava a Guarda Fiscal, os ferroviários e a temida Pide.

Foi ali que Manuel Berenguel Vivas (http://www.cm-marvao.pt/pt/camara-municipal/historico-dos-eleitos), de ascendência espanhola, que chegou a ser presidente da Câmara de Marvão entre 1945 e 1954, dispunha de um ramal particular na Beirã, para desenvolvimento do seu negócio de transportes internacionais. Este empreendedor foi responsável pela construção, em frente à estação, da Igreja da invocação de Nossa Senhora do Carmo, benzida a 16 de Julho de 1944 e para a qual foram transladados os restos mortais do seu pai Manuel Vivas Pacheco e de sua mulher Carmen Berenguel L’Hospitaux. (http://www.cm-marvao.pt/pt/beira/origens)

Manuel Vivas.jpgAnúncio de Manuel Berenguel Vivas publicado na Gazeta do Caminho de Ferro nº 1296 em 12/12/1941)

Em suma diria que esta estação é uma das mais belas de Portugal, não só pela sua arquitetura como pelos fabulosos painéis de azulejos, de Jorge Colaço, que decoram magistralmente a fachada.

Voltemos então à parte recreativa, mas antes de a começar, comecemos pelas voltas que este projecto de lazer deu para aqui chegar. Lenny, o responsável pelo Rail Bike Marvão, é oriundo da Nova Zelândia, nos antípodas de Portugal e necessitou de encomendar as rodas para estes veículos poderem circular em cima de carris, algures no Colorado, nos EUA. Atendendo ao caracter internacional do Ramal de Cáceres, temos que admitir que, mesmo após o seu encerramento, não perdeu o gosto de bem receber e bem servir a comunidade internacional.

Antes de começarmos a dar ao pedal, somos informados das características do percurso e da paisagem e alertados para o atravessamento da ponte com 106 metros de comprimento e 30 metros de altura, sobre a Ribeira de Vide, onde inverteremos a marcha para regressar ao ponto de partida, sem necessidade de recorrer a uma placa giratória ferroviária. Bastam duas pessoas, uma em cada extremidade do veículo, levantam-no e viram-no na direção oposta.

PA280965.JPG

De volta à estação da Beirã

Seguem-se os ajustes das cadeiras para ficarmos na melhor posição para pedalar e, neste caso, como seguiam duas crianças no grupo, foram cuidadosamente instaladas em cadeiras adequadas ao seu tamanho e devidamente amarradas pelos respetivos cintos de segurança. Tudo muito profissional e muito seguro. Sentamo-nos nas cadeiras confortáveis, tipo chaise longue, pés nos pedais, imagino (consigo vê-lo e ouvi-lo no meu subconsciente) um antigo chefe da estação soprar a corneta e fazer sinal com a sua bandeira verde para arrancarmos.

Silenciosamente, ao contrário de um comboio, avançamos todos satisfeitos, para o nosso passeio, afinal o Alentejo é plano e a ferrovia também, qual é a dificuldade?

Para ultrapassar as duas passagens de nível, que neste caso funcionam ao contrário, ou seja, estão fechadas à via-férrea e abertas ao trânsito automóvel, Lenny faz as vezes de guarda das ditas, permitindo o nosso avanço, depois de se certificar que um ciclista cedia, gentilmente a passagem as estes estranhos e muito silenciosos veículos ferroviários, ao qual Lenny fez questão de agradecer.

Eis se não quando começamos a sentir nas nossas pernas , que nem o Alentejo é (todo) plano, nem a ferrovia se estende sem desníveis. Não sendo necessário ser um atleta, os primeiros dois quilómetros do percurso também não são favas contadas, ainda que o esforço seja dividido por dois, eu e a minha mulher.(1)

PA280970.JPG

Atravessando a passagem de nível antes de entrar na Estação da Beirã

Não obstante, fazemos duas paragens para regularizar a pulsação e apreciar a paisagem. Mesmo com o esforço de pedalar, consegui reviver o passado, regressar às sensações de viajar de comboio, a brisa na cara lembrou-me os tempos de juventude com a cabeça de fora da janela da carruagem para receber o vento e o fumo da locomotiva a vapor, ao passar nas fragas recordei o barulho abafado das locomotivas que invadia o interior das carruagens, na ponte a sensação de vazio e o barulho estridente do ferro a ranger com o peso do comboio, nas curvas o chiar das rodas e a trepidação na passagem de cada união dos carris, mesmo com estas rodas de plástico. Até o cheiro que emanava das travessas de madeira, fustigadas pelo sol e pingadas de óleo consegui sentir nesta viajem movida a pernas.

O grande gozo desta viagem, em especial o regresso, em que as pernas descansam e deslizamos quase sempre graças ao desnível, é sentirmo-nos descontraídos, seguros e privilegiados pela diversidade da paisagem, pela tranquilidade do percurso, pelos sons suaves que nos chegam, pelo enorme espaço que nos rodeia, pela liberdade que sentimos e pela simpatia dos safarenhos (2)com quem nos cruzamos.

Tenho a certeza que cada passageiro neste tipo de passeio terá sensações diferentes, consoante o seu apego ou gosto de viajar de comboio, sendo certo que nenhum deles sairá dali insatisfeito. Divertimento, uma coisa diferente, uma experiência, uma brincadeira, uma novidade, tento adivinhar o que possam ter pensado os meus companheiros de viagem. Para mim foi reviver, o comboio dos anos 60 e setenta, e constatar que se trata de uma excelente e agradável iniciativa, tão agradável que estou a pensar em regressar na próxima primavera para fazer o percurso maior, entre a Beirã e Castelo de Vide e quem sabe, aproveitar a sugestão do simpático Lenny da Rail Bike Marvão e fazer também um passeio noturno em noite de Lua cheia.

PA281009.JPG

Interior do restaurante da Estação da Beirã

Uma última curiosidade. A junta de Freguesia da Beirã, refere no seu site , sobre o ramal de Cáceres, o seguinte; No lado português, a extensão deste ramal é de 72,4 Km. manifestamente exagerada para a distância a vencer. A explicação é fácil, embora anedótica: a empresa construtora era paga ao Km e procurou, tanto quanto possível, aumentar a extensão da linha, com infelizes consequências que ainda hoje se fazem sentir. Com efeito, o traçado principalmente a partir de Vale do Peso, é excessivamente sinuoso e, embora levemente corrigido pontualmente aquando da recente renovação, não permite a realização de velocidades elevadas.(https://www.jf-beira.pt/index.php/freguesia/caminhos-de-ferro)

Em baixo o link para as fotos do passeio;

https://photos.app.goo.gl/jEif9L2y1awefQih9

Sugestões finais ao Rail Bike Marvão e ao Trainspot Guesthouse Emitir uns certificados de presença, com o nome dos intervenientes (hóspedes/passageiros) no hotel e no passeio usando o layout da CP da época em que a estação funcionava: Por exemplo:

O Rail Bike Marvão utilizaria o seu logotipo em conjunto com o da CP, com o layout, dos bilhetes da época, “Beirã – Castelo de Vide (Ida e Volta)” com a data e hora e eventualmente o número de um dos comboios que realizavam o percurso, para os seus passageiros dos passeios.

O Trainspot GhestHouse utilizaria o seu logotipo com o da CP e o layout dos recibos das entradas usados no Hotel na época em que funcionou, para entregar aos seus hóspedes.

- Relembro o que diz a Rail Bike Marvão sobre isto “Railbike é uma atividade física, as bicicletas não têm motor e todos os participantes devem pedalar. O percurso inclui zonas com inclinação”

2 - Nome étnico usado pelos de fora em relação aos habitantes da Freguesia da Beirã e de Santo António das Areias – Tese de doutoramento “O Falar de Marvão – Património Imaterial Raiano” da Drª Teresa Susana Bengala Simão na Universidade de Évora em Julho de 2015

 

01
Jul20

Não é minha, não é Tua, acabou, fim de linha


Vagueando

Os comboios foram o primeiro meio de transporte público que conheci. Primeiro de Sintra até Lisboa, Ida e Volta.

Depois para o Algarve e, lá chegado, não tinha nem táxi nem uma camioneta de carreira que me levasse até ao destino final. Era uma carroça que me esperava, para percorrer cerca de 10 km, entre a estação de S. Bartolomeu de Messines e a casa dos meus avós.

As viagens de comboio eram longas, penosas, desconfortáveis, mas divertidas. As pessoas tinham tempo para, sem telemóveis a distraí-las, olhar umas para outras, conversar, comer e até dividir o farnel que levavam, naquela altura, há 50 anos atrás, não existia a carruagem bar/restaurante.

Na época, o detergente OMO lavava mais branco. Contudo, uma camisa branca, vestida à entrada do comboio na estação do Barreiro, chegava a S. Bartolomeu de Messines negra e dificilmente voltava a ser branca, mesmo lavada com OMO. As locomotivas a vapor largavam uma fumarada impressionante e como não havia ar condicionado nas carruagens, viajava-se de janelas abertas,  o fumo  penetrava nas mesmas e, com especial agressivade, dentro dos túneis.

Vem tudo isto a propósito de ter descoberto no meu arquivo, um filme - ver link abaixo - realizado por mim, em 2002, na Linha do Tua, linha essa que despareceu para dar lugar à Barragem do Tua.

São cerca de 5 minutos de filme, muito amador, mas com direito a música de fundo. Também os intérpetres da música  Barcelona, Monserrat Caballé e Freddie Mercury, já não estão entre nós.

A linha foi submersa pela subida das águas do Rio Tua depois da construção da Barragem com o mesmo nome, inaugurada em 2011.

Com o fim da linha, foi o fim de linha para a beleza desta paisagem selvagem e arrebatadora. Deixou de ser minha, deixou de ser Tua, deixou de ser nossa. 

Em 2018 regressei ao Tua onde a imponência da barragem me deixou atrofiado. A ponte rodoviária que aparece no final do filme que me parecia alta, parece agora minúscula, esmagada pela altura da barragem. 

Nunca me interessei muito pela barragem, nem pelas polémicas relativas à sua construção, mas ao reviver este filme, fui dar uma vista de olhos à história da sua construção e constatei que o arqueólogo Armando Sabrosa, morreu em 27 de Maio de 2006, quando participava num estudo de impacto ambiental, ao cair numa escarpa na zona das Fragas Más.

Fiquei incomodado porque andei a caminhar por vários trilhos do Tua, incluindo o Trilho das Fragas Más e dei comigo a pensar, como é que tanta beleza natural consegue esconder as marcas de dor que deixaram na família deste arqueólogo.

Recomendo que vejam também um filme, Pare Escute e Olhe de Jorge Pelicano, lançado em DVD em 2010 e que constitui um bom documentário sobre esta linha que;

A linha já não é minha, não é Tua, não é nossa, sobra a repressão imposta ao Tua. 

É a vida!

Rectificação em 21/05/2023 -

20230521_192118 (2).jpg

 

Links;

Filme

https://youtu.be/lGuqXDkejhs

Fotos do Trilho das Fragas Más

https://photos.app.goo.gl/zKPE8zvnrgTgbAmG6

 

 

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