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Generalidades

Generalidades

16
Out23

Lembram-se da crise do subprime?


Vagueando

Já passou para os bancos, para os portugueses ainda não, continuam a pagar o custo que foi salvar bancos.

Não vou discutir se deveriam ter sido salvos ou se deveriam ter ido à falência, apenas e só quero dizer que o mercado funciona tão bem, razão pela qual os juros sobre o dinheiro que o banco empresta subiram rapidamente e os juros do dinheiro que os clientes emprestam aos bancos, para além de não terem subido quase nada ainda pagam taxas e taxinhas (onde é que já ouvi isto?).

Mas como o que tem que ser tem muita força e quem tem muita força é que decide o que tem que ser, eis que a partir de hoje deparo-me com esta notícia

Alívio no “teste de stress”: A partir de hoje, vai ser mais fácil pedir crédito habitação

Aliviado que está o stress para o stress que há-de vir, até para quem não pediu nada emprestado.

A quem vai pedir empréstimos lembrem-se que são eles os bancos , os especialistas que o aconselham e que verificam se a sua taxa de esforço é adequada para pagar as prestações.

Quando verificar que afinal a taxa de esforço já é superior e não consegue pagar, a culpa é sua e se vender a casa por um preço inferior ao valor da dívida, fica sem casa e vai continuar a ser responsável pelo seu pagamento.

Ainda se lembra do valor que foi injetado nos Bancos? Se não se lembra aqui fica uma ajuda.

Portugal acumula quarto maior esforço nas ajudas à banca na UE

17
Jul22

Preciso de calor humano porque calor já eu tenho


Vagueando

P3063645[28440].JPG

Foto da  minha autoria e que serviu de inspiração para este conto, onde se mistura ficção com alguma realidade. 

 Quantos silêncios serão necessários para que me escutem? Era o sentimento daquela casa.

As casas não ouvem nem falam porque não têm voz. Não tendo uma coisa nem outra contam histórias, quer sobre si próprias, quer sobre a vida lá dentro. Não são diferentes do mais comum dos mortais que, como as casas, comunicam mesmo quando não falam.

Havia sido construída num outeiro no Baixo Alentejo, a cerca de 9 km de Belmeque, a aldeia mais perto. As paredes eram em alvenaria de pedra aparelhada, telhado de duas águas forrado a telha de canudo, suportado por um vigamento em madeira, estruturado em asna com pendural.

Dispunha de 4 portas, 3 viradas a Sul e uma a Norte. A porta principal, a mais usada, dava acesso à cozinha; os alimentos, a maioria vindos de cultivo próprio, entravam logo ali para serem cozinhados sem ser necessário sujar o resto da casa. Outra porta facilitava o acesso ao corredor que atravessava toda a casa, terminando na porta norte. Este corredor era o distribuidor de acesso a todas as outras divisões e servia de ar condicionado no Verão, bastava abrir as duas portas para ter uma corrente de ar fresca. A terceira porta dava serventia a um pequeno curral onde se acolhia a criação , uma mula e 3 ovelhas. A casa dispunha ainda, do lado norte, de um eirado com cisterna destinado a no Inverno, recolher água para consumo e no Verão para secar alfarrobas, amêndoas, milho, bolota e para jantares ao ar livre e ainda para dormir mais fresco, tendo as estrelas como teto.

As brisas frescas e suaves na Primavera e Verão, transportavam os cheiros do campo que eram condimentados com o canto das cigarras e dos grilos. Tinha sol todo o ano, sentia-se como estivesse a ser grelhada, excepto quando as nuvens cerravam fileiras.

Miguel era filho da roda mas isso nunca o impediu de ser um homem feliz. Fixou-se no Alentejo, na casa da sua mulher Emília, com quem casou em 1931, casamento que lhe deu duas filhas, Isilda e Conceição. Era um homem magro, alto, esbelto, moreno, poderia ter sido manequim. Era assim, não porque se coibisse de comer ou por fazer dietas vegans, era assim porque caminhava muito.

As longas pernas eram o seu meio de transporte, aliás, não havia outro.

Era afoito, não tinha medos, nem sequer da morte. Contudo, afligia-o não saber o que era estar morto e de que forma saberia que tinha morrido. Não sabia ler mas era um poeta, poeta popular. Fazia versos espontâneos a mangar dos amigos que se metiam com ele e, com especial prazer quando os netos lhe pediam. Não sabia nada de música mas cantava. Não sabia tocar instrumentos, mas acompanhava as suas canções com um instrumento improvisado que transportava sempre consigo, o sovaco.

Extraía sons colocando a sua mão direita debaixo do sovaco esquerdo, colocando este braço e antebraço em “V” movimentava-o para baixo e para cima, de forma ritmada, ao mesmo tempo que a mão direita controlava a saída de ar debaixo do sovaco, provocada por este movimento. Os sons eram um misto de trompete com corneta, mas também muito parecidos com os sons que os sofredores de flatulência emitem nos momentos de maior aperto. Eram estes últimos sons que faziam delirar os seus netinhos que pediam que os repetisse vezes sem fim, às horas das refeições.

As refeições significavam convívio familiar. Eram os únicos momentos em que não se estava a trabalhar e serviam também a Miguel para contemplar a estrutura de madeira que suportava aquele telhado com um equilíbrio geométrico tão perfeito que parecia ser impossível aguentar todo aquele peso de forma tão simples e harmoniosa.

O seu animal de estimação não era um cão nem um gato. Era uma mula de grande porte, musculada pelo trabalho de lavoura mas excelentemente cuidada, sempre limpa e escovada e livre, já que pastava no campo completamente solta desde de tenra idade. Nem parecia uma besta de trabalho mas sim um daqueles cavalos levados a concursos de beleza. Seguia o dono como um cão, via nele um Deus protector, não se deixava levar por ninguém. Quando o Miguel parava ela parava imediatamente e assim ficava, sem estar amarrada, à espera do dono. Miguel chamava-lhe a minha cãozinha.

A vida de Miguel parecia um daqueles gráficos de linhas, com variações em “V” muito pronunciadas. Cresceu no meio de muitas crianças nas mesmas circunstâncias, fez amizades mas não as conservou, não havia como. Os telefones eram poucos, os carteiros não chegavam ao campo. Longe era o lugar onde todos os seus companheiros de infância se tinham instalado.

Foi no Algarve serrano, e longe do Allgarve das praias, que começou a trabalhar, a cozer fornos . Este trabalho implicava o corte de mato, silvados e apanha de lenha seca que era transportada às costas ou em carroças, consoante a distância até ao forno, em quantidade suficiente para o manter a arder, no mínimo, durante dois dias e duas noites. Mesmo depois de casar e já com as filhas nascidas continuou este trabalho, o que implicava estar fora de casa semanas seguidas. Só para chegar ao forno e regressar a casa, gastava quatro dias a caminhar.

Mais tarde, começou a dedicar-se à agricultura de subsistência nos campos que tinha à volta de casa e  aumentou a produção de griséus , tremoços, as alfarrobas e amêndoas começavam a render bom dinheiro, que era escondido em frascos de vidro de café solúvel e nas latas que continham chocolate em pó para misturar com água ou leite. Para o esconder de eventuais amigos do alheio era embrulhado dentro de pequenas bolsas de pano, costuradas pela sua mulher, que depois eram metidas no meio de feijão e grão, guardado nestas embalagens.

Foi nessa altura que a linha gráfica representativa da felicidade e de algum conforto, subiu ao pico máximo, ainda que a casa estivesse mais vazia, as suas filhas tinham já rumado a Lisboa.

Na altura de férias juntavam-se todos naquela casa. Uma vez que o seu trabalho era logo ali, à volta da casa, tinha tempo para, à volta da mesa, contar as suas histórias, cantar e tocar para os seus netos ao mesmo tempo que saboreava as refeições com os sabores e odores que nos são hoje vendidos como gourmet.

A morte prematura da sua filha Isilda veio trazer-lhe muitas angústias. Pela primeira vez pensou na sua própria morte. Nada voltou a ser como dantes, mesmo que a família restante fosse aparecendo frequentemente, a única coisa que ainda lhe dava algum amparo às suas longas pernas era a sua Emília. Aquelas pernas que calcorreavam longas veredas, durante dias recusavam-se agora a andar. A maleita não era nos membros inferiores, era psicológica. Foi nessa altura que todas as suas dúvidas sobre o que era a morte o começaram a atormentar. Comentava com a mulher que a morte, era o corpo frio, era não aparecer, era não conseguir comunicar, era não ser visto, era estar deitado sem se mexer, mas como é que se sabe que já morremos?

Nunca obtinha resposta, excepto da sua mulher que dizia; mechas para a conversa.

A morte da Emília, aos 89 anos, embora aceitável do ponto de vista do que era a esperança média de vida, deixou-o sozinho de novo, tal como quando nasceu. Disseram-lhe que a Emília tinha morrido, mas quem lhe disse a ela que estava morta? Toda a gente lhe dizia que estar morto era o contrário de estar vivo. Mas esse não era o seu problema. O seu problema é que ninguém lhe dizia o que era o contrário de estar vivo. Queria ter a certeza, que seria ele a saber e a comunicar, pelo menos a si, que estaria morto e que estando morto, tudo se desligava, tudo se apagava, que nenhum dos meus sensores ficava activo como a caixa negra de um avião que depois de um acidente, fica a emitir durante 30 dias impulsos sonoros na frequência 37,5Hz se estiver submersa e é capaz de resistir, durante 30 minutos a temperaturas de 1.100 graus Celsius.

Falou com o médico que assinou a certidão de óbito da mulher. Este explicou-lhe que ela não sabia que tinha morrido. Fora ele como médico, de acordo com a sua experiência, a saber que ela tinha morrido porque não respirava.

Miguel, não ficou convencido, pensou logo nas galinhas, corta-se-lhes a cabeça, não respiram, mas estão vivas.

O que é facto é que a casa também se ressentiu desta falta de calor humano e foi-se degradando.

Dois meses depois, ao jantar, Miguel passeava o seu olhar ao redor da cozinha. Cansado, fixou-se no telhado que tanto apreciava. A casa sentiu-se lisonjeada ao ser olhada e ficou na expectativa de que ele reparasse nas telhas partidas que deixavam passar a água, apodrecendo a sua estrutura de madeira. Ele que, noutros tempos achara a estrutura em asna tão bela e elegante, agora não lhe ligava absolutamente nada. Se lhe caísse em cima era uma sorte, pensava. Foi dormir.

No dia seguinte acordou triste para não variar. Abriu a porta, viu o Sol a começar a subir no horizonte, as andorinhas a esvoaçar à volta dos ninhos feitos nos beirais da casa, ouviu os grilos e as cigarras. Sem rumo, nem ânimo, começou a andar, as pernas pareciam que pesavam mais do que o costume, apenas o cheiro a eucalipto, e a brisa na cara que trazia também um ligeiro odor a poejo, o animou um pouco. Quando deu por ele estava na aldeia de Belmeque.

Viu um carro funerário, costumava vê-lo a passar quando ia à aldeia, tal como se fosse um autocarro de passageiros, mas sem horário nem paragens definidas. Voltou para casa, quando chegou, viu um carro à porta, era um dos seus netos, com a namorada. Com uma alegria imensa, disse logo: – Ficam cá esta noite, vou já tratar da janta . — Sim avô, fazemos-te companhia.

Falou sobre as suas dúvidas ao neto. Este fez umas pesquisas na internet e explicou-lhe tudo o que ele queria saber, mas sabia que não tinha a resposta certa para lhe dar. Miguel ouviu e ficou a saber o que já sabia. Ninguém toma conhecimento que morre. O neto continuou. Quando não temos pulsação nem respiração por algum tempo ocorre a morte cerebral, ainda que alguns dos nossos órgãos fiquem temporariamente activos. É por isso que é possível transplantar órgãos de mortos para outras pessoas que deles necessitam.

Os médicos e estudiosos têm relatado casos de pessoas que estiveram muito mal, referindo que estas quando recuperam descrevem sensações de paz e ausência de dor; de viajar dentro de um túnel, de ver o seu próprio corpo fora dele, de relatar com precisão os actos médicos efectuados no seu corpo, de ver familiares já falecidos.

Ficou a saber mais umas coisas, mas não o que lhe interessava.

No dia seguinte, despediu-se do neto, com um abraço muito forte sem sentir esforço ou pressão, pese embora estivesse a apertá-lo muito.

Voltou para a cozinha para arrumar a louça do pequeno-almoço, mas desistiu e sentou-se.

Olhou de novo para o tecto.

Virou-se para a casa e disse-lhe; – Sabes, estou como tu, velho, frio, desamparado. Abracei o meu neto com todas as minhas forças e não o senti, parecia que estava a apertar uma esponja.

Tenho a comunicar-te que morreste, sim sou eu, o teto, o telhado, que te estou a comunicar que morreste. Estás sem calor humano, tal como eu, pese embora o calor abrasador lá fora. – Se calhar tens razão. Nasci sem pais, talvez volte a nascer outra vez, rodeado de calor humano, porque calor sempre tive. Mas agora tenho medo, medo de não aguentar uma eventual infância feliz.

23
Abr21

Espectador de rotundas, cruzamentos e entroncamentos


Vagueando

Não é que tenha que dar satisfações da minha vida a ninguém. Contudo, quando (mal) alimentamos um blog ainda, que sem a responsabilidade de alguém morrer à fome por não ter colocado nada no prato virtual - ainda me lembro da malta que se levantava da mesa para ir apanhar a fruta ao FarmVille para alimentar o Tamagotchi – volto hoje ao contacto.

Resolvi ir abastecer o carro. Esta coisa do cartão fidelidade que dá pontos e descontos, obrigou-me a ir ao posto de combustível habitual. Em boa verdade foi mais uma desculpa para sair de casa, dentro do Concelho. Cumpri com as regras, fui para fora (de casa) cá dentro (do Concelho).

Já tinha tentado dar uma volta com o carro dentro de casa, mas por azar tinha posto o ano passado umas floreiras na escada e, por isso, não conseguia chegar à sala onde tinha espaço para fazer drifting.

Para chegar à bomba (atenção a nossa saúde mental não anda muito bem, não pensem que estou a planear algum ataque bombista) - tive que passar por 6 rotundas, 23 entroncamentos e ainda um cruzamento

Como sabem, pelo menos aqueles que conduzem, quem entra numa rotunda (e bem) tem que esperar que quem está lá dentro se vá embora. Chego à primeira rotunda e espero que todo trânsito passe e também esperava que quem saísse antes de chegar onde estou à espera, fizesse, tal como está obrigado, o pisca a informar que vai sair, onde eu, pacientemente, estou à espera para entrar . Como ninguém faz pisca, fico ali como espectador do trânsito que passava.

Com a falta de espectáculos de âmbito cultural, apercebo-me que é culturalmente aceite o desrespeito pelo Código da Estrada no que respeita a sinalizar as mudanças de direcção. Percebem agora porque há filas de trânsito?

Fui ficando a contar quantos carros passavam por mim e quantos saíam, sem fazer o tal pisca. Até que me buzinaram, perdendo a contagem. Milagrosamente uma brecha e lá fui. Nas outras 5 rotundas as coisas não melhoraram.

Nos entroncamentos também foi engraçado, pelas mesmas razões, quem saía à direita da estrada onde eu, pacientemente, estava à espera para entrar, não fazia o pisca e lá ficava a contar carros enquanto esperava, até que vinha a buzinadela, que coincidia com as brechas e lá ia eu.

Estão a imaginar o que aconteceu nos restantes 22 entroncamentos. Mais do mesmo pois claro, mas com uma novidade. Num deles, uma daquelas carrinhas de caixa alta resolveu parar mesmo na esquina, pelo que não via nada mais do que um caixote branco enorme ao meu lado esquerdo e ali fiquei à espera que o condutor do caixote chegasse para ter a visibilidade necessária para sair dali em segurança.

Falta o único cruzamento. Chego, paro, escuto e olho. Esqueci-me que não era preciso escutar, afinal  era só um cruzamento e não uma passagem de nível. Incrível, não vem ninguém de lado nenhum. Avanço, sem medo, mas eis que um grupo de ciclistas, me aparece de frente, em contramão, saído dum canavial e ainda me insultam porque conduzo um carro de combustão interna, a gasóleo, que é um perigo para o ambiente, e para as pessoas que respiram, agora de máscara, aquela trampa que sai dos gases de escape. Ainda bem que o meu carro só tem um escape, caso contrário, tinha sido linchado ali mesmo.

Estava quase a chegar a casa, reparo que ainda tenho menos combustível do que quando saí. As filas nas rotundas, nos entroncamentos, e no único cruzamento, tinham esgotado o combustível a minha paciência e aliviado a minha carteira.

Aproveito uma rotunda, volto para trás, chego na reserva ao posto de combustível, atesto, pago e sigo para novo calvário.

Repetem-se as peripécias, mas consigo chegar, finalmente a casa hoje, com menos de meio depósito, um pouco mais do que tinha quando saí para abastecer, em 3 de Março.

Está explicada a razão pela qual não tinha escrito mais nada.

07
Dez20

30 dias, 30 imagens, um sonho, uma realidade


Vagueando

Imaginemos que todos os dias recordávamos algo que vivenciámos de forma agradável.

Foi o que fiz durante todo o mês de Novembro. Ao longo do mês escolhi, todos os dias uma foto de locais onde estive, com o objectivo de construir uma história à volta delas, que pode ou não, fazer sentido.

No início de Dezembro, comecei a olhar para aquelas fotos e, ao fim de algum tempo, lá nasceu qualquer coisa.

Se quiserem podem abrir todas as fotos no link abaixo e acompanhá-las com a leitura.

https://photos.app.goo.gl/ZY5R3JxC9NqREcqcA

Viajem comigo, se tiverem paciência, pelas imagens, todas recolhidas em Portugal entre 2015 e 2020, algures entre a Serra da Estrela e o Alentejo, bem como Sintra.

Sujeito ao escrutínio do leitor avaliar o quão reconfortante e enérgico é subir ao alto de uma serra para ver nascer o Sol. A espera pode parecer monótona, haver até uma sensação de frustração. Contudo, quando o Sol desponta, apercebemo-nos que nasceu mais cedo para nós só para compensar o nosso esforço.

A brisa fresca começa a ser temperada pelo ténue calor que a gigantesca luz proporciona. A rápida mutação das cores, o movimento da vegetação e das pessoas parece surreal, só comparável a um bailado sem coreografia, em que o movimento sem regras é tudo e só isso, ar puro, luz natural e liberdade total.

Já mais despertos e revigorados, com o Sol já alto, vamos caminhando em direcção a lado nenhum, encontramos uma casa abandonada que nos segreda que precisa calor humano. Não que lhe falte calor, falta-lhe movimento e gente. O Sol quando nasce é para todos, inclusivé para as casas que agradecem o calor e algumas, mais calorentas procuram estar próximo da água e deixaram-se seduzir por um relvado em cima do seu telhado, bem plantado pela engenharia, da natureza.

P5190223.JPGSubimos de novo a outra montanha, está nublada e gélida. Não obstante, uma nuvem cool, deixa passar a réstia de Sol que acerta no único pedaço de neve que ainda resistia, fazendo a sua brancura sobressair no meio do castanho pedregoso.

P8090718.JPGJuntamo-nos de novo, para ir a lado nenhum, mas em contraluz para a fotografia, um a um, todos em pose e em posse das faculdades psico-motoras que nos hão de levar a outros locais onde, eventualmente, não pararemos, contemplaremos em andamento lento, não nos cansemos.

 

Deito-me ao nível do chão para ver fugir os que já lá vão, dou de caras com um cão que não fez ão, ão, apenas me deitou a língua de fora e disse; Afasta-te estou à espera da minha ração. Até eu comia uma ração de combate se a tivesse, mas não disse nada ao cão. Os cães não gostam ser incomodados quando comem.

Viro-me de barriga para cima vejo o céu e uma erva azeda, desoriento-me, viro-me de novo, agora de lado, à procura dos outros que seguiram pela vereda, mas a minha visão esbarra num lago, estou perdido.

Levanto-me, recomponho-me e sigo, pé ante pé, retomo o caminho, qual caminho? Nem eu sei. Só sei que estou ali sozinho, entre o céu e a terra e o bendito caminho. Caminho, caminho, caminho, até o sol fugir.

Acordo, estava a sonhar, na caminha!

Não sei que horas são, nem quero saber, vou correr atrás do sonho, corro o risco de me perder, agora a sério, mas tem que ser.

Levanto-me confuso mas com prazer, saio a correr.

Sintra espera-me.

Gosto de ver gente, mas não gosto de estar com muita gente, nem no meio de muita gente, não há gente na rua, que raio, mas é de dia. Onde é que se enfiou toda a gente.

Estou doente, dormente, demente

A cabeça está oca, o corpo não sente

Tenho medo de deixar de ser gente

E que o corpo já não se aguente

Ainda não sei que horas são, estou perdido entre sonho e a realidade, mas é mesmo de dia, não é verdade?

Tinha-me esquecido, estamos no meio, a menos de meio ou a mais de meio, de uma pandemia. 

Não há gente, não há movimento a não ser o da terra em torno do Sol que no-lo trás todos os dias indiferente ao que gente, crente ou descrente, sente.

 

Vagueio por Sintra, vejo cafés, hotéis, monumentos, escadas e arruamentos sempre sem gente.

Está tudo igual, mas tudo tão diferente, que nem acredito que ali estou, no meio da estrada a olhar para uma paragem de autocarro sem passageiros à espera, quando antes se amontoavam e desesperavam com o muito trânsito que lhes atrasava o transporte. Sintonizo o meu olhar para tentar descobrir algo que nunca vi e vi, uma árvore esburacada que me faz lembrar uma gruta. Pareceu-me ver lá dentro um duende. Olho para as outras estão alinhadas a receber o resto do sol do dia.

Faço mais um esforço e descubro que é Natal, a árvore que o anuncia está ali em frente ao Palácio Nacional, é um dejá vu desta vez estranho porque é mesmo estranho.

20201203_140810.jpg

Procuro outro ângulo de visão e encontro, descubro o Castelo debaixo daquela árvore de Natal, artificial, tempo esquisito este, ouvi dizer que é o novo normal.

PC190496.JPG

Ando por ali perdido no meio de tanta falta de gente, perdi as minhas referências, caminho e esbarro numa corda que parece suspensa no céu. Belisco-me, estou acordado, acho eu.

Fico por ali a pensar se devo subir – será que mereço – ou resistir.

Olho mais uma vez, não há gente, mas vou esperar mais um pouco, talvez ainda não seja ainda a minha vez que, seguramente, há de vir.

Feliz Natal

26
Mar20

Confinamento


Vagueando

20200319_103320.jpg

O confinamento tem destas coisas.

Incomoda-me o silêncio que me chega das ruas, incomoda-me a distância social, incomoda-me ver o tempo com outro ritmo, demasiado lento, tristonho, insosso, incomoda-me não ouvir os risos e os gritos de alegria das crianças, incomoda-me ver portas fechadas, trancadas, a sete chaves como diz o povo, incomoda-me ver as calçadas descalças de gente, incomoda-me saber que há gente a sofrer por ter que tomar decisões dramáticas sobre gente que também sofre, incomoda-me estarmos todos tão perto, cada um dentro do seu andar e ao mesmo tempo tão longe, incomoda-me ver gente a trabalhar duramente para que possamos estar em casa, incomoda-me não saber nada sobre o vírus, incomoda-me saber que tanta gente saiba tudo sobre o vírus e não saiba como impedir que nos contagie, incomoda-me ter que ter tantos cuidados e, mesmo assim, saber que podem ser tão poucos. 

Tudo me incomoda.

No meio de tanto incómodo, necessitei deslocar-me a uma clínica veterinária para comprar um medicamento para o meu cão, dei de caras com o anúncio acima e fiquei incomodado.

Afinal com tanta inovação, tanta ciência, tanta inteligência artificial, tanto conhecimento cientifico, tanta certeza, tanta vida, tanto bem estar que já se falava que a imortalidade estava aí, eis senão quando, descobrimos que andávamos entretidos com bolos de aniversário para cães.

 

 

 

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