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Generalidades

Generalidades

26
Out23

Quem olha quem?


Vagueando

Este é mais um post relativo ao desafio 1foto 1texto de IMSilva.

Quando estive em Ronda fui visitar os Banhos Árabes. Confesso que fiquei fascinado com a forma como se fazia chegar não só a água aos tanques, apenas e só recorrendo à gravidade, como também a conseguiam aquecer.

Quando realizei a foto abaixo, senti-me estranhamente observado por este monumento. Aquelas duas entradas de luz pareciam querer saber o que estava ali a fazer.

Olhares.jpg

 

25
Jun23

Sintra uma caixinha de surpresas


Vagueando

Alguém teve a feliz ideia, fora da caixa, de juntar o ar livre, as caminhadas e a música.  E onde é que todo este três em um inovador, podia acontecer? Em Sintra, What else!

Tenho que reconhecer que a Directora da Cultura da CMS, Drª Ana Alcântara e a Direcção Artística do Festival de Sintra, o maestro Martim Sousa Tavares, realizaram um excelente trabalho.

O espectáculo de dia 24 de Junho, que juntava tudo isto, e mais alguma coisa, desculpem qualquer coisinha “Worten”, foi realizado no topo da praia de Magoito. Teve tudo para brilhar, ainda que o Sol não tivesse brilhado, adivinham porquê?

Nevoeiro, claro, faz parte do Verão de Sintra e do Oeste como muito bem frisou um dos membros da Postcard Brass Band.

Portanto, se por acaso nas fotos (e uns pequenos filmes) que poderão ver no link abaixo não conseguirem ver o mar, queixem-se ao nevoeiro, porque ele estava e está lá todos os dias. Se não acreditam mas sabem seguir as coordenadas GPS, podem lá ir, a pé claro, escolher um dia sem nevoeiro, vão confirmar que falo verdade.

Aqui ficam as coordenadas 38º 51’ 32,78’’N – 9º 26’ 52.94’’W.

Na caminhada entre as Azenhas do Mar e o local do evento, depois de sair desta magnífica aldeia, encontramos a Casa Branca, do arquiteto Raul Lino, onde Madona gravou o vídeo-clip com as batucadeiras de Cabo Verde, “Batuka” . Tenho que reconhecer que Madona enquanto esteve em Portugal, percebeu muito bem a beleza de Sintra.

Pois bem, não sou entendido em música, muito menos em meteorologia, mas como gostei do espectáculo, a acústica pareceu-me muito boa, os aplausos de pé (é certo que as cadeiras não existiam e as pedras não eram propriamente o local ideal para estarmos sentados) dos presentes (resistentes ao frio, quando uma onda de calor estava a atravessar o país) deu para perceber que a coisa foi mesmo muito boa.

Por fim, estive atento, se Martim Sousa Tavares, o maestro, aplaudiu e bem, quem sou eu para duvidar que a performance (fica sempre bem um estrangeirismo nos posts) da banda não foi mesmo melhor do que eu estou para a aqui a relatar? Parabéns aos músicos, aos organizadores, aos (caminhantes) espectadores. Ah e ao nevoeiro, que apareceu para dar o ar da sua graça.

 

Linka para as fotos. Não deixem de ver o videdo clip da Madona, Batuka, vão reconhecer a Casa Branca que aparece nas fotos.

https://photos.app.goo.gl/NuWhpQoF9Ecfhsak9

 

17
Jul22

Preciso de calor humano porque calor já eu tenho


Vagueando

P3063645[28440].JPG

Foto da  minha autoria e que serviu de inspiração para este conto, onde se mistura ficção com alguma realidade. 

 Quantos silêncios serão necessários para que me escutem? Era o sentimento daquela casa.

As casas não ouvem nem falam porque não têm voz. Não tendo uma coisa nem outra contam histórias, quer sobre si próprias, quer sobre a vida lá dentro. Não são diferentes do mais comum dos mortais que, como as casas, comunicam mesmo quando não falam.

Havia sido construída num outeiro no Baixo Alentejo, a cerca de 9 km de Belmeque, a aldeia mais perto. As paredes eram em alvenaria de pedra aparelhada, telhado de duas águas forrado a telha de canudo, suportado por um vigamento em madeira, estruturado em asna com pendural.

Dispunha de 4 portas, 3 viradas a Sul e uma a Norte. A porta principal, a mais usada, dava acesso à cozinha; os alimentos, a maioria vindos de cultivo próprio, entravam logo ali para serem cozinhados sem ser necessário sujar o resto da casa. Outra porta facilitava o acesso ao corredor que atravessava toda a casa, terminando na porta norte. Este corredor era o distribuidor de acesso a todas as outras divisões e servia de ar condicionado no Verão, bastava abrir as duas portas para ter uma corrente de ar fresca. A terceira porta dava serventia a um pequeno curral onde se acolhia a criação , uma mula e 3 ovelhas. A casa dispunha ainda, do lado norte, de um eirado com cisterna destinado a no Inverno, recolher água para consumo e no Verão para secar alfarrobas, amêndoas, milho, bolota e para jantares ao ar livre e ainda para dormir mais fresco, tendo as estrelas como teto.

As brisas frescas e suaves na Primavera e Verão, transportavam os cheiros do campo que eram condimentados com o canto das cigarras e dos grilos. Tinha sol todo o ano, sentia-se como estivesse a ser grelhada, excepto quando as nuvens cerravam fileiras.

Miguel era filho da roda mas isso nunca o impediu de ser um homem feliz. Fixou-se no Alentejo, na casa da sua mulher Emília, com quem casou em 1931, casamento que lhe deu duas filhas, Isilda e Conceição. Era um homem magro, alto, esbelto, moreno, poderia ter sido manequim. Era assim, não porque se coibisse de comer ou por fazer dietas vegans, era assim porque caminhava muito.

As longas pernas eram o seu meio de transporte, aliás, não havia outro.

Era afoito, não tinha medos, nem sequer da morte. Contudo, afligia-o não saber o que era estar morto e de que forma saberia que tinha morrido. Não sabia ler mas era um poeta, poeta popular. Fazia versos espontâneos a mangar dos amigos que se metiam com ele e, com especial prazer quando os netos lhe pediam. Não sabia nada de música mas cantava. Não sabia tocar instrumentos, mas acompanhava as suas canções com um instrumento improvisado que transportava sempre consigo, o sovaco.

Extraía sons colocando a sua mão direita debaixo do sovaco esquerdo, colocando este braço e antebraço em “V” movimentava-o para baixo e para cima, de forma ritmada, ao mesmo tempo que a mão direita controlava a saída de ar debaixo do sovaco, provocada por este movimento. Os sons eram um misto de trompete com corneta, mas também muito parecidos com os sons que os sofredores de flatulência emitem nos momentos de maior aperto. Eram estes últimos sons que faziam delirar os seus netinhos que pediam que os repetisse vezes sem fim, às horas das refeições.

As refeições significavam convívio familiar. Eram os únicos momentos em que não se estava a trabalhar e serviam também a Miguel para contemplar a estrutura de madeira que suportava aquele telhado com um equilíbrio geométrico tão perfeito que parecia ser impossível aguentar todo aquele peso de forma tão simples e harmoniosa.

O seu animal de estimação não era um cão nem um gato. Era uma mula de grande porte, musculada pelo trabalho de lavoura mas excelentemente cuidada, sempre limpa e escovada e livre, já que pastava no campo completamente solta desde de tenra idade. Nem parecia uma besta de trabalho mas sim um daqueles cavalos levados a concursos de beleza. Seguia o dono como um cão, via nele um Deus protector, não se deixava levar por ninguém. Quando o Miguel parava ela parava imediatamente e assim ficava, sem estar amarrada, à espera do dono. Miguel chamava-lhe a minha cãozinha.

A vida de Miguel parecia um daqueles gráficos de linhas, com variações em “V” muito pronunciadas. Cresceu no meio de muitas crianças nas mesmas circunstâncias, fez amizades mas não as conservou, não havia como. Os telefones eram poucos, os carteiros não chegavam ao campo. Longe era o lugar onde todos os seus companheiros de infância se tinham instalado.

Foi no Algarve serrano, e longe do Allgarve das praias, que começou a trabalhar, a cozer fornos . Este trabalho implicava o corte de mato, silvados e apanha de lenha seca que era transportada às costas ou em carroças, consoante a distância até ao forno, em quantidade suficiente para o manter a arder, no mínimo, durante dois dias e duas noites. Mesmo depois de casar e já com as filhas nascidas continuou este trabalho, o que implicava estar fora de casa semanas seguidas. Só para chegar ao forno e regressar a casa, gastava quatro dias a caminhar.

Mais tarde, começou a dedicar-se à agricultura de subsistência nos campos que tinha à volta de casa e  aumentou a produção de griséus , tremoços, as alfarrobas e amêndoas começavam a render bom dinheiro, que era escondido em frascos de vidro de café solúvel e nas latas que continham chocolate em pó para misturar com água ou leite. Para o esconder de eventuais amigos do alheio era embrulhado dentro de pequenas bolsas de pano, costuradas pela sua mulher, que depois eram metidas no meio de feijão e grão, guardado nestas embalagens.

Foi nessa altura que a linha gráfica representativa da felicidade e de algum conforto, subiu ao pico máximo, ainda que a casa estivesse mais vazia, as suas filhas tinham já rumado a Lisboa.

Na altura de férias juntavam-se todos naquela casa. Uma vez que o seu trabalho era logo ali, à volta da casa, tinha tempo para, à volta da mesa, contar as suas histórias, cantar e tocar para os seus netos ao mesmo tempo que saboreava as refeições com os sabores e odores que nos são hoje vendidos como gourmet.

A morte prematura da sua filha Isilda veio trazer-lhe muitas angústias. Pela primeira vez pensou na sua própria morte. Nada voltou a ser como dantes, mesmo que a família restante fosse aparecendo frequentemente, a única coisa que ainda lhe dava algum amparo às suas longas pernas era a sua Emília. Aquelas pernas que calcorreavam longas veredas, durante dias recusavam-se agora a andar. A maleita não era nos membros inferiores, era psicológica. Foi nessa altura que todas as suas dúvidas sobre o que era a morte o começaram a atormentar. Comentava com a mulher que a morte, era o corpo frio, era não aparecer, era não conseguir comunicar, era não ser visto, era estar deitado sem se mexer, mas como é que se sabe que já morremos?

Nunca obtinha resposta, excepto da sua mulher que dizia; mechas para a conversa.

A morte da Emília, aos 89 anos, embora aceitável do ponto de vista do que era a esperança média de vida, deixou-o sozinho de novo, tal como quando nasceu. Disseram-lhe que a Emília tinha morrido, mas quem lhe disse a ela que estava morta? Toda a gente lhe dizia que estar morto era o contrário de estar vivo. Mas esse não era o seu problema. O seu problema é que ninguém lhe dizia o que era o contrário de estar vivo. Queria ter a certeza, que seria ele a saber e a comunicar, pelo menos a si, que estaria morto e que estando morto, tudo se desligava, tudo se apagava, que nenhum dos meus sensores ficava activo como a caixa negra de um avião que depois de um acidente, fica a emitir durante 30 dias impulsos sonoros na frequência 37,5Hz se estiver submersa e é capaz de resistir, durante 30 minutos a temperaturas de 1.100 graus Celsius.

Falou com o médico que assinou a certidão de óbito da mulher. Este explicou-lhe que ela não sabia que tinha morrido. Fora ele como médico, de acordo com a sua experiência, a saber que ela tinha morrido porque não respirava.

Miguel, não ficou convencido, pensou logo nas galinhas, corta-se-lhes a cabeça, não respiram, mas estão vivas.

O que é facto é que a casa também se ressentiu desta falta de calor humano e foi-se degradando.

Dois meses depois, ao jantar, Miguel passeava o seu olhar ao redor da cozinha. Cansado, fixou-se no telhado que tanto apreciava. A casa sentiu-se lisonjeada ao ser olhada e ficou na expectativa de que ele reparasse nas telhas partidas que deixavam passar a água, apodrecendo a sua estrutura de madeira. Ele que, noutros tempos achara a estrutura em asna tão bela e elegante, agora não lhe ligava absolutamente nada. Se lhe caísse em cima era uma sorte, pensava. Foi dormir.

No dia seguinte acordou triste para não variar. Abriu a porta, viu o Sol a começar a subir no horizonte, as andorinhas a esvoaçar à volta dos ninhos feitos nos beirais da casa, ouviu os grilos e as cigarras. Sem rumo, nem ânimo, começou a andar, as pernas pareciam que pesavam mais do que o costume, apenas o cheiro a eucalipto, e a brisa na cara que trazia também um ligeiro odor a poejo, o animou um pouco. Quando deu por ele estava na aldeia de Belmeque.

Viu um carro funerário, costumava vê-lo a passar quando ia à aldeia, tal como se fosse um autocarro de passageiros, mas sem horário nem paragens definidas. Voltou para casa, quando chegou, viu um carro à porta, era um dos seus netos, com a namorada. Com uma alegria imensa, disse logo: – Ficam cá esta noite, vou já tratar da janta . — Sim avô, fazemos-te companhia.

Falou sobre as suas dúvidas ao neto. Este fez umas pesquisas na internet e explicou-lhe tudo o que ele queria saber, mas sabia que não tinha a resposta certa para lhe dar. Miguel ouviu e ficou a saber o que já sabia. Ninguém toma conhecimento que morre. O neto continuou. Quando não temos pulsação nem respiração por algum tempo ocorre a morte cerebral, ainda que alguns dos nossos órgãos fiquem temporariamente activos. É por isso que é possível transplantar órgãos de mortos para outras pessoas que deles necessitam.

Os médicos e estudiosos têm relatado casos de pessoas que estiveram muito mal, referindo que estas quando recuperam descrevem sensações de paz e ausência de dor; de viajar dentro de um túnel, de ver o seu próprio corpo fora dele, de relatar com precisão os actos médicos efectuados no seu corpo, de ver familiares já falecidos.

Ficou a saber mais umas coisas, mas não o que lhe interessava.

No dia seguinte, despediu-se do neto, com um abraço muito forte sem sentir esforço ou pressão, pese embora estivesse a apertá-lo muito.

Voltou para a cozinha para arrumar a louça do pequeno-almoço, mas desistiu e sentou-se.

Olhou de novo para o tecto.

Virou-se para a casa e disse-lhe; – Sabes, estou como tu, velho, frio, desamparado. Abracei o meu neto com todas as minhas forças e não o senti, parecia que estava a apertar uma esponja.

Tenho a comunicar-te que morreste, sim sou eu, o teto, o telhado, que te estou a comunicar que morreste. Estás sem calor humano, tal como eu, pese embora o calor abrasador lá fora. – Se calhar tens razão. Nasci sem pais, talvez volte a nascer outra vez, rodeado de calor humano, porque calor sempre tive. Mas agora tenho medo, medo de não aguentar uma eventual infância feliz.

25
Mai22

Contemplando


Vagueando

 

CABOROCAPORSOLSET2009.JPG

Onde a terra acaba e o mar começa

Há mar e mar, há ir e voltar

Olhamos o Sol, esperamos que se despeça

O Sol foi-se, deixou de nos acalentar

 

Sol para onde vais, porque nos deixas?

Ficamos sós, apenas com a brisa do mar

Vou iluminar e aquecer outros, não quero queixas

Ficamos aqui sem luz, sem calor, a pensar

 

Ai se pudéssemos ser aquela ave em liberdade

Saborear o vento que lhe dá aquele sustento

Acompanhávamos o Sol até à próxima Cidade

Não ficávamos aqui parados ao relento

 

O céu e as nuvens parecem aqui tão perto

Junto a nós, junto ao mar, junto a ti, Sol

Já não sabemos o que vemos ao certo

Esperamos que a espera se canse da luz do Farol

 

 

07
Dez20

30 dias, 30 imagens, um sonho, uma realidade


Vagueando

Imaginemos que todos os dias recordávamos algo que vivenciámos de forma agradável.

Foi o que fiz durante todo o mês de Novembro. Ao longo do mês escolhi, todos os dias uma foto de locais onde estive, com o objectivo de construir uma história à volta delas, que pode ou não, fazer sentido.

No início de Dezembro, comecei a olhar para aquelas fotos e, ao fim de algum tempo, lá nasceu qualquer coisa.

Se quiserem podem abrir todas as fotos no link abaixo e acompanhá-las com a leitura.

https://photos.app.goo.gl/ZY5R3JxC9NqREcqcA

Viajem comigo, se tiverem paciência, pelas imagens, todas recolhidas em Portugal entre 2015 e 2020, algures entre a Serra da Estrela e o Alentejo, bem como Sintra.

Sujeito ao escrutínio do leitor avaliar o quão reconfortante e enérgico é subir ao alto de uma serra para ver nascer o Sol. A espera pode parecer monótona, haver até uma sensação de frustração. Contudo, quando o Sol desponta, apercebemo-nos que nasceu mais cedo para nós só para compensar o nosso esforço.

A brisa fresca começa a ser temperada pelo ténue calor que a gigantesca luz proporciona. A rápida mutação das cores, o movimento da vegetação e das pessoas parece surreal, só comparável a um bailado sem coreografia, em que o movimento sem regras é tudo e só isso, ar puro, luz natural e liberdade total.

Já mais despertos e revigorados, com o Sol já alto, vamos caminhando em direcção a lado nenhum, encontramos uma casa abandonada que nos segreda que precisa calor humano. Não que lhe falte calor, falta-lhe movimento e gente. O Sol quando nasce é para todos, inclusivé para as casas que agradecem o calor e algumas, mais calorentas procuram estar próximo da água e deixaram-se seduzir por um relvado em cima do seu telhado, bem plantado pela engenharia, da natureza.

P5190223.JPGSubimos de novo a outra montanha, está nublada e gélida. Não obstante, uma nuvem cool, deixa passar a réstia de Sol que acerta no único pedaço de neve que ainda resistia, fazendo a sua brancura sobressair no meio do castanho pedregoso.

P8090718.JPGJuntamo-nos de novo, para ir a lado nenhum, mas em contraluz para a fotografia, um a um, todos em pose e em posse das faculdades psico-motoras que nos hão de levar a outros locais onde, eventualmente, não pararemos, contemplaremos em andamento lento, não nos cansemos.

 

Deito-me ao nível do chão para ver fugir os que já lá vão, dou de caras com um cão que não fez ão, ão, apenas me deitou a língua de fora e disse; Afasta-te estou à espera da minha ração. Até eu comia uma ração de combate se a tivesse, mas não disse nada ao cão. Os cães não gostam ser incomodados quando comem.

Viro-me de barriga para cima vejo o céu e uma erva azeda, desoriento-me, viro-me de novo, agora de lado, à procura dos outros que seguiram pela vereda, mas a minha visão esbarra num lago, estou perdido.

Levanto-me, recomponho-me e sigo, pé ante pé, retomo o caminho, qual caminho? Nem eu sei. Só sei que estou ali sozinho, entre o céu e a terra e o bendito caminho. Caminho, caminho, caminho, até o sol fugir.

Acordo, estava a sonhar, na caminha!

Não sei que horas são, nem quero saber, vou correr atrás do sonho, corro o risco de me perder, agora a sério, mas tem que ser.

Levanto-me confuso mas com prazer, saio a correr.

Sintra espera-me.

Gosto de ver gente, mas não gosto de estar com muita gente, nem no meio de muita gente, não há gente na rua, que raio, mas é de dia. Onde é que se enfiou toda a gente.

Estou doente, dormente, demente

A cabeça está oca, o corpo não sente

Tenho medo de deixar de ser gente

E que o corpo já não se aguente

Ainda não sei que horas são, estou perdido entre sonho e a realidade, mas é mesmo de dia, não é verdade?

Tinha-me esquecido, estamos no meio, a menos de meio ou a mais de meio, de uma pandemia. 

Não há gente, não há movimento a não ser o da terra em torno do Sol que no-lo trás todos os dias indiferente ao que gente, crente ou descrente, sente.

 

Vagueio por Sintra, vejo cafés, hotéis, monumentos, escadas e arruamentos sempre sem gente.

Está tudo igual, mas tudo tão diferente, que nem acredito que ali estou, no meio da estrada a olhar para uma paragem de autocarro sem passageiros à espera, quando antes se amontoavam e desesperavam com o muito trânsito que lhes atrasava o transporte. Sintonizo o meu olhar para tentar descobrir algo que nunca vi e vi, uma árvore esburacada que me faz lembrar uma gruta. Pareceu-me ver lá dentro um duende. Olho para as outras estão alinhadas a receber o resto do sol do dia.

Faço mais um esforço e descubro que é Natal, a árvore que o anuncia está ali em frente ao Palácio Nacional, é um dejá vu desta vez estranho porque é mesmo estranho.

20201203_140810.jpg

Procuro outro ângulo de visão e encontro, descubro o Castelo debaixo daquela árvore de Natal, artificial, tempo esquisito este, ouvi dizer que é o novo normal.

PC190496.JPG

Ando por ali perdido no meio de tanta falta de gente, perdi as minhas referências, caminho e esbarro numa corda que parece suspensa no céu. Belisco-me, estou acordado, acho eu.

Fico por ali a pensar se devo subir – será que mereço – ou resistir.

Olho mais uma vez, não há gente, mas vou esperar mais um pouco, talvez ainda não seja ainda a minha vez que, seguramente, há de vir.

Feliz Natal

13
Out20

Mentira


Vagueando

Hoje escrevo para mentir.

Mentir, isso mesmo, dito assim, descaradamente.

Mentir a mim mesmo. Mentir como se estivesse a discutir sobre a culpa de, como peão, ter sido atropelado por mim próprio, na qualidade de automobilista.

Depois do atropelamento, desculpem, do confinamento, resolvi também mentir sobre o medo. Não do medo de sair à rua, mas do medo de respirar.

Decidir deixar de respirar não é bem como tomar a decisão do tipo, hoje vou parar de fumar e deixo de comprar tabaco. Contudo, cravo um de vez enquanto aos amigos. Até que os amigos se negam e deixo de fumar.

Isto de deixar de respirar, já me perseguia antes da pandemia, por causa dos gases com efeito de estufa (ver E no entanto, as vacas continuam a peidar-se aqui) https://classeaparte.blogs.sapo.pt/e-no-entanto-as-vacas-continuam-a-11359?tc=52615441535

Até esta altura só treinava para deixar de respirar quando ia tirar uma chapa aos pulmões e o técnico dizia: Encha o peito de ar, não respira, não respira, não respira, pode respirar.

Ainda com esta ideia maluca por resolver, saí porta fora, para voltar a circular. Já na rua lembrei-me que o melhor seria respirar em modo de segurança.

(A propósito de porta https://classeaparte.blogs.sapo.pt/as-portas-15637)

Respirar em modo de segurança, consiste em fornecer aos pulmões apenas 50% do oxigénio que preciso, mas devidamente filtrado por uma máscara

Em vez de inspirar com a convicção de que o ar puro faz bem à saúde, passei a respirar, não sei se sem convicção ou se com a convicção de que respirar afinal, pode fazer muito mal à saúde.

Este tipo de respiração tem a vantagem de encaixar bem com a narrativa actual, safe and clean. Ao respirarmos menos, não só reduzimos em 50% o risco de deixar entrar o vírus e ao mesmo tempo, fica disponível mais ar limpo - ainda que possa estar “covidado”. Se está mais limpo, também estamos a contribuir para um ambiente melhor, ainda que o ambiente mental das pessoas possa, eventualmente, estar a piorar.

Para continuar a mentir deixo algumas imagens (ver link abaixo), destas minhas saídas.

https://photos.app.goo.gl/fh37ncEZcBiHnFox9

Acredito que acreditem que algumas fotos possam parecer verdadeiras. Nada mais falso porque, se forem a estes locais não vão ver nada daquilo que eu retratei.

É tudo uma questão de sorte e de respiração, inspiração, expiração, sudação e muita concentração.

Sou um mentiroso, mas agora a sério.

Estamos todos a precisar, agora que vem aí o Inverno, de calor humano, de voltarmos as estar juntos, onde quer que estejamos.

Só estou preocupado com uma coisa. Andam para aí a dizer que uma mentira contada muitas vezes passa a ser verdade, pelo que já estou baralhado e sem saber se falei verdade ou se contei uma mentira.

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