Perco-me
Vagueando
Perco-me, por isso, às vezes numa imaginação fútil de que espécie de gente serei para os que me vêem, como é a minha voz, que tipo de figura deixo escrita na memória involuntária dos outros, de que maneira os meus gestos, as minhas palavras, a minha vida aparente, se gravam nas retinas da interpretação alheia.
Não consegui nunca ver-me de fora.
Não há espelho que nos dê a nós como foras, porque não há espelho que nos tire de nós mesmos.
Era precisa outra alma, outra colocação do olhar e do pensar. Se eu fosse ator prolongado de cinema, ou gravasse em discos audíveis a minha voz alta, estou certo que do mesmo modo ficaria longe de saber o que sou do lado de lá, pois, queira o que queira, grave-se o que de mim se grave, estou sempre aqui dentro de muros altos da minha consciência de mim.
Texto de uma das 52 cartas editadas pela Casa Fernando Pessoa com excertos do Livro do Desassossego de Fernando Pessoa
Foto da minha autoria, Jardim da Vigia - Sintra