O Natal faz-se caminhando
Vagueando
Nota prévia - Este conto de Natal reúne ficção com realidade. Comecemos pela ficção - Todas as frases com link, correspondem a um autor da comunidade de blogs da Sapo e do livro Contos de Natal, editado em Novembro de 2022, pelo que fiz questão de usar uma frase de cada um deles neste conto. Não encontrei o link para os contos de Alice Vieira e Zé Onofre, mas identifiquei as suas frases em itálico e com as notas 1 e 2 . Daí que a fição dos contos de Natal do ano passado, tenha acabado por me ajudar a ficcionar o meu conto de Natal deste ano.
A realidade - Todos os nomes das ruas e das casas são verídicos e são visíveis neste passeio e as fases da Lua referidas ocorrem nas datas indicadas. As ruínas da antiga Igreja de S. Pedro de Canaferrim existem junto ao Castelo dos Mouros. O passeio pedestre entre Mafra e Sintra é real, pode ser realizado por quem tiver pernas e ânimo, já o percorri várias vezes e passa pelas localidades mencionadas no conto, sendo que todo o seu percurso é maioritariamente feito fora das estradas alcatroadas. Só a partir da frase no conto - “À entrada de Sintra”é que deixa de corresponder ao percurso real, mas pode ser realizado (fica o desafio para a comunidade de bloguers da Sapo, fazê-lo a partir da Rua das Terras do Burro). Contudo, no mapa que anexo em foto, está assinalado o desvio que permite fazer o caminho do conto até à antiga Igreja de S. Pedro de Canaferrim.
Mapa do percurso e do desvio (a vermelho) , bem como uma foto tirada da Rua Albino josé Batista onde é visível o convento de Mafra, é o pontinho mais brilhante da lado esquerdo da foto, na linha do horizonte.
António, Teresa e a sua filha adolescente, Mariana, falavam entre si e comentavam, mais um ano, mais um Natal. Este deveria ser especial, mas Mariana desde que cresceu deixou de ter tempo para essas futilidades,. Deixara de acreditar no Pai Natal, dizendo - a magia dissipou-se e não consigo que se instale.
Contudo, os pais sonhavam com um Natal em Belém. Eles adoram livros e tinham comprado vários para pesquisar tudo sobre essa viagem. Quando se levantou essa possibilidade Mariana não ficou muito entusiasmada, contudo depois dos seus pais lhe explicarem a importância que Belém tinha no Natal, os seus olhos brilhavam como duas estrelas de Natal.
As guerras, justificadas tantas vezes pela adoração (fanática) a diferentes deuses, estragou-lhes os planos e, pior do que isso, acrescentaram mais um conflitos ao Mundo numa antítese ao que deve ser o espirito de Natal.
Assim resolveram fazer algo de diferente, para celebrar o Natal. Personificar os três Reis Magos recriando um percurso real, para entregarem uma prenda simbólica de paz, carinho e amor ao próximo. Restava encontrar o sítio, sendo certo que tinha que ser simbólico, porque não, onde vários deuses já se tinham cruzado e ali mesmo deveriam ter feito as pazes e encontrado o perdão.
O Natal, não é as pessoas desejarem muita paz aos outros?
Por mais que procurassem, não encontravam nada que os satisfizesse. O caminho parecia cada vez mais sem volta, mas recusavam-se a desistir, a família estava habituada a fazer longas caminhadas, devagar e em silêncio. Mariana, no final do dia, já em pleno Outono, foi à janela da sua casa em Mafra e surpreendeu-se com a serra de Sintra, iluminada por uma Lua Cheia fortíssima que lhe realçava a silhueta.
Não é por acaso que a serra é conhecida por Monte da Lua.
Era para ali que iriam fazer a entrega do seu amor e carinho, ali no Monte da Lua. A estrela Polar que guiou os Reis Magos, seria substituída pela Lua que os guiaria até à serra e lhes iluminaria o caminho. O Pai, antes de recusar a ideia, foi consultar as fases da Lua e reparou que a 20 de Dezembro estariam em Quarto Crescente e a 24 em Crescente Gibosa, sendo a Lua Cheia a 27, que coincidência maravilhosa. Nem o nevoeiro típico de Sintra se atreveria a estragar tão nobre propósito.
A ideia foi aprovada por unanimidade, embora soubessem que de Mafra a Sintra, são 28 km, por estradas longas, mais curtas, a subir até provocar vertigens e a descer ao ponto de sufocar, isto não seria o problema, mas sim o estímulo.
Por outro lado, recordavam-se do Natal em que tinham ficado enclausurados obrigatoriamente em casa, naquele tempo viviam-se receios de um terrível micróbio que tinha mudado a forma de viver de todos, em todo o mundo, pelo que este percurso seria também uma homenagem à libertação.
Eram duas horas da tarde, o sol não aquecia, parecia que as estrelas estavam contra, mas tinha chegado o dia da partida. Munidos de uns cajados de madeira, iniciaram a caminhada.
À medida que iam atravessando as aldeias, foram-se deparando com as entradas das portas onde eram colocadas pinhas e azevinhos tornando as aldeias ainda mais belas do que eram no resto do ano. Trajavam roupas normais mas eram alvo de observação dos aldeãos que os cumprimentavam com reverência e lhes desejavam boa viagem, como se adivinhassem ao que iam e o que representavam.
De repente…e sem saber porquê… alguém se aproximou de Mariana e disse-lhe; Espalha essa prenda por todos por favor. Mariana surpreendida com o inusitado momento, afinal não tinham contado a ninguém ao que iam, resolveu apenas sorrir, deixei-o pensar assim.
Depois de descerem ao Carvalhal e subirem de novo em direção a Odrinhas, a noite começava a cair e as luzes coloridas alegravam as ruas, já no alto da longa e ingreme subida, repararam no espectáculo, graças à luz que todas as janelas com uma simples vela tinha criado. Afinal anoitecia cedo no monte, até porque nesta altura do ano os dias são muito pequenos pelo que a vista era deslumbrante.
À entrada de Sintra, seguiram por uma vereda, sempre a subir até que chegam à Rua das Terras do Burro e entroncam no Alto da Bonita, daqui já avistam de perto o Monte da Lua. Avançam em sua direção pela Rua Albino José Batista a partir da qual se avista Mafra e até as ilhas Berlengas em dias cuja visibilidade anuncia chuva e que desemboca no Miradouro da Vigia. Deste local, avista-se todo o Monte da Lua e esta exibia-se com orgulho. O Monte da Lua agrega três montes, em cujos topos repousam o Castelo Gregório, também conhecido por Monte Sereno, o Palácio da Pena e o Castelo dos Mouros.
Agora que estamos no Natal, toda a vista deste miradouro, parece um autêntico presépio. Cintilam as luzes da Igreja de Stª Maria, do casario da rua da Trindade e da Calçada dos Clérigos, ao lado esquerdo as da Casa do Cipreste do arquiteto Raul Lino e um pouco mais acima, à esquerda, um dos mais belos Chalets de Sintra, o Chalet do Roseiral. O Plátano plantado na caldeira principal do miradouro, agora despido de folhagem, não tem frio e abana ligeiramente ao sabor da brisa e a energia da sua seiva já trabalha na roupagem para próxima campanha Primavera-Verão, saúda tão ilustres visitantes, vergando-se perante tão grandioso cenário.
Descem as Escadinhas da Vigia e sobem as dos Clérigos, entram na Calçada com o mesmo nome, onde do lado direito existe uma gruta, a Mariana espanta-se ao ver lá dentro um vulto que personificava o Pai Natal, esperou que o pai ou mãe tivessem visto mas não.
Continuaram a subir pela calçada, a Igreja de Santa Maria está a sua esquerda, mais à frente entram na Rampa do Castelo e que rampa, não perdem o fôlego, continuam escadaria acima.
A Mariana um pouco confusa diz que voltou a acreditar na existência do Pai Natal. Os pais, reiteram a sua convicção de que o Pai Natal não existe. Mariana pergunta então quem era aquele que estava na gruta?(1)
Bem falamos nisso mais tarde, agora temos que chegar ao cimo.
Antes de chegarem ao Castelo encontraram as ruínas da Igreja de S.Pedro de Canaferrim que, com a fixação das populações cristãs no Castelo dos Mouros, o Bairro Islâmico foi desaparecendo e deu lugar a uma vila medieval, cuja ocupação se estendeu até ao século XV, altura a partir da qual foi sendo progressivamente abandonada uma vez que, pacificados os conflitos entre mouros e cristãos, as populações já não necessitavam de se abrigar junto da fortificação. Integrava essa vila medieval a Igreja de São Pedro de Canaferrim, construída entre as duas cinturas de muralhas.
Foi aqui neste local onde existem as ruínas da Igreja de S. Pedro de Canaferrim onde crentes em duas religiões diferentes se combateram, que António, Teresa e Mariana, vieram deixar a sua prenda, de valor incalculável, o seu amor, carinho e paz natalícia, na noite de Natal e de Lua Cheia.
Este é o caminho para um futuro de paz.
Regressaram a casa, transportados por um amigo, que, devido ao frio tinha ligado a chauffage do carro. António disse-lhe logo, onde já se tinha visto os pequenos aparelhos dominarem o mundo e substituírem o calor de um abraço, desliga isso e venha daí esse abraço.
Chegados a casa juntaram-se à mesa onde a família os esperava para cear, ouviu-se uma gargalhada geral que animou toda a casa, em vésperas de Natal. Afinal, o Natal era isso mesmo juntar pessoas e coisas a momentos.
Pouco tempo depois Mariana pediu licença e levantou-se, não regressando à mesa. A sua mãe preocupada, levantou-se e foi até ao seu quarto e, incrédula viu o Pai Natal sentado na cama da Mariana, contava-lhe uma história.
No dia seguinte, os pais voltaram à questão do pai natal na gruta e a Mariana só lhes disse, as coisas aconteceram como deveriam ter acontecido (2) e que ficaria com esta história para contar aos filhos, que começaria assim; Houve um Natal em que não conseguimos resistir à curiosidade.