A formiga no carreiro
Vagueando
Participação XI do Ano II no Desafio 1 foto 1 texto de IMSilva
Nos meus tempos de adolescente, passava umas boas temporadas na casa dos meus avós no Algarve. O tempo passava ao ritmo de uma grande relógio de pêndulo, em que o espaço de uma hora parecia uma eternidade, comparado com o mesmo espaço de uma hora de hoje.
A ciência diz-nos que o tempo que decorre durante uma hora de hoje é exactamente igual ao de uma hora à 50 anos atrás, contudo, no meu cérebro, ainda guardo aquele tempo de modorra, em que nada se passava nem passava ninguém por aquele descampado a cerca de 20km a norte de Albufeira, puro Algarve interior.
Uma pessoa passava-se de pasmo.
Os caminhos eram de terra, bem vermelha, cujo pó era tão fino que se colava facilmente às pernas suadas à medida que, de calções, caminhava em direção a lado nenhum, por aqueles caminhos despidos de gente, de vida, de vegetação. A civilização mais próxima, cerca de 9 km, era a vila de S.Bartolomeu de Messines onde eu chegava de comboio a vapor.
Cultivava-se a terra, pastava-se umas ovelhas, criava-se um porco e galinhas, sendo que o primeiro era sacrificado no Natal e carne transformada em enchidos e a restante era salgada, frigoríficos era modernice que não chegava ali, até porque a electricidade também não e dinheiro para a pagar não chegava. Já as galinhas punham ovos e de de vez em quando, aparecia uma na canja.
Um primo meu, habilidoso de mãos, construía umas mini aldeias com caixas de fósforos vazias e uma vez, construiu uma nora, cuja réplica diria que era quase perfeita e com o aliciante de, com umas caricas velhas, conseguir reproduzir o mecanismo que era usado nestes poços para tirar água, através de uns baldes que davam pelo nome de alcatruzes. Mais tarde, aprimorou o mecanismo usando um grilo para fazer mover toda aquela engrenagem. Tenho pena de não ter nenhuma foto, era coisa digna de se ver, não havia Lego nem se ia comprar nada, era tudo feito com materiais usados.
Importa referir, antes que comece a ser insultado pelos amigos do grilos, que não era sempre o mesmo grilo atrelado ao mecanismo. Na altura, havia quem tivesse grilos em pequenas gaiolas e o meu primo tinha vários que alimentava e cujo grilar era agradável de ouvir.
O que é que tudo isto tem a ver com a formiga no carreiro? Tudo!
É que nas proximidades dessa mini aldeia encantada, existia um tronco muito velho completamento coberto de umas formigas bastante grandes, com uma parte do corpo vermelho e que "mordiam" com agressividade. Então para as chatear de vez em quando batíamos com um pau naquele velho tronco e as formigas aceleravam a sua azáfama de forma violenta, obrigando-nos a sair rapidamente do local.
A foto de hoje, tirada em Espanha, durante o passeio pedestre que fiz em Las Médulas trouxe-me à memória a canção de Zeca Afonso, "A formiga no Carreiro" e a mini aldeia do meu primo.