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Generalidades

Generalidades

03
Set22

As veredas


Vagueando

O meu avô, homem de perna alta, de passo vivo e cadenciado era caminheiro profissional, era esse o seu único meio de para se transportar entre lugares.

Quando o acompanhava, ainda jovem, era obrigado a fazer pequenas corridas para o conseguir acompanhar. Sem hesitações nos cruzamentos e entroncamentos de veredas palmilhávamos quilómetros por entre casas isoladas, conhecidas por montes, povoações minúsculas e pequenas aldeias.

Afugentava os cães que se atravessavam no caminho que, ao contrário do ditado, ladravam e mordiam. Os cães não o apoquentavam, tinham-lhe muito respeito, por mais ferozes que parecessem, fazia-os sempre fugir, se fosse necessário à pedrada. Nunca me lembro de ter levado uma dentada, fosse de que cão fosse.

Quando se ia a uma povoação maior o meu avô dizia que se ia ao Povo. Era lugar onde se via muita família (sinónimo de muita gente) e onde existia um mercado e, de tempos a tempos, uma feira, que estava ali, encostada ao Povo onde se vendia gado (porcos, bois, vacas, burros, mulas) e no meio desta, o gado organizado de forma desordenada, circulava gente curiosa como eu e quem queria fazer negócio.

Aprendi com ele o significado das veredas e o prazer de caminhar nelas. Recordo neste texto, que ele reconhecerá, mesmo sem saber ler e sem ter acesso à Internet, nem ao mundo dos vivos, as nossas caminhadas.

Dizia-me que a vereda era um caminho estreito, da largura do espaço que uma pessoa precisa para caminhar e que se aprendia a segui-la, com o tempo e a experiência. Não havia indicações nem tabuletas (também se as houvesse poucos saberiam lê-las) com as direções ou destinos a seguir, não havia GPS, era tudo de memória. Cada pessoa guardava na sua cabeça uma série de veredas que davam a acesso a todos os lugares para onde precisavam de ir.

Se fosse necessário seguir até um local novo, esse mapa mental não tinha gravado o caminho, mas sabia a direção, se para Norte, se para Sul, se para Este ou Oeste e, com base nesses quatro pontos cardeais, se escolhia a vereda certa para onde se queria ir pela primeira vez. Sempre que a vereda se dividia em duas três ou mais direções a escolha era racional, bastava olhar para o Sol que nos dava um dos pontos cardeais e, a partir daí tudo era fácil. As veredas nunca se enganavam, muito menos eram capazes de enganar alguém, até porque, quem as observava também não se deixava enganar.

Grandes duplas formavam as veredas e as pessoas que nelas caminhavam, verdadeiras equipas recheadas de estrelas ou não fosse o Sol uma bela estrela.

Dizia o meu avô que a vereda era o melhor caminho, o mais curto, o mais belo, o mais conversador, sim aparecia sempre alguém em sentido contrário com o mesmo espírito, ir de um lado ao outro, pelo caminho mais curto e mais belo, mas com tempo para dois dedos de conversa. Contudo, estas conversas nunca incluíam qualquer pergunta sobre o caminho a seguir, toda a gente seguia o seu próprio caminho.

A vereda era o caminho de todos, para todas os destinos, que passava por todas as casas, aldeias, serras, rios, fontes e riachos.

As pontes eram raras, as que existiam eram improvisadas e, obviamente, estreitas. Mas quando não estavam lá, a dar a passagem para a outra margem, eram as poldras que nos transformavam em equilibristas e só com muito malabarismo se chegava com os pés secos à outra margem.

Quando, era preciso transportar alguma coisa, por exemplo água, o burro seguia a vereda com o meu avô atrás sem que fosse necessário indicar-lhe o caminho. Quando se lhe montavam as cangalhas em cima da albarda onde se anichavam dois potes de barro, ele sabia que era para ir ao poço. As veredas também nunca enganavam os burros, até porque, tal como os homens, eles também não se deixavam enganar.

As veredas eram caminhos abertos pela passagem de muita gente a pé, não estavam sujeitos a planos das Juntas de Freguesia nem das Câmaras, não exigiam expropriações, nem projetos, nem autorizações dos proprietários dos terrenos onde passavam. Eram pura cooperação entre vizinhos e afastados. Eram tão-somente isso, serventias, o espelho das necessidades das gentes do Algarve para comunicar entre si e identificavam-se por uma ténue linha sem vegetação, composta por pó vermelho, tão característico do Algarve, que parecia fumegar debaixo dos nossos pés, tão fino que espirrava debaixo dos sapato a cada passada.

A vereda era uma linha simples, umas vezes reta, outras vezes curva, outras vezes às curvas e contracurvas para contornar obstáculos como árvores, silvados, desníveis e pedras, trabalho de muitos passos, de muita gente que não passeava por ali, mas passava por ali, muito antes de mim e do meu avô, há vários anos, várias gerações de passos deixando a sua pegada, muito ecológica, em tantos quilómetros de veredas.

As veredas eram a marca, de muita gente, dos seus destinos, das suas histórias e das suas estórias dos seus encontros e, porque não dizê-lo, dos seus medos, frustrações, raivas e alegrias tudo registado naquela fina falta de vegetação e da transformação da terra dura em pó fino de tanta pisadela que levou.

A vereda tinha sempre acompanhamento musical, ora dos grilos e cigarras ora da passarada que saltitava de árvore em árvore, de pedra em pedra, do tilintar dos chocalhos dos rebanhos e ainda tínhamos espetáculos de cor, movimento e luz. Borboletas multicoloridas esvoaçavam à nossa volta, as nuvens que filtravam o sol e nos faziam sombra, alteravam a cor da paisagem, cenas fantasmagóricas provocadas pelas trovoadas ou molhadas, se instalavam ali mesmo por cima de nós e os relâmpagos que nos faziam temer vir a servir de para raios entre a descarga e a (terra da)vereda.

As veredas também tinham cheiro, consoante a época do ano, a esteva, a figos, a amêndoa, a terra molhada, quando chovia no Verão, a trampa de ovelha, mula, de burro e de cão. Não é possível reproduzir estes cheiros num texto, mas estas misturas ao ar livre nem sequer se pode dizer que fossem desagradáveis, faziam parte do caminho e pronto. Se algum algarvio, com mais de 50 anos, ler este post, é bem capaz de imaginar e de sentir os cheiros que aqui descrevo.

Nas veredas foram ficando histórias de homens e mulheres, crianças e adolescentes, amores e desamores e de tantos pastores que aliviaram as dores e o cansaço, esperando sentados nalgum valado já meio descambado enquanto as suas ovelhas pastavam e saltavam, vezes sem conta aquela valado, escramalhando (sinónimo de espalhar, fazer cair) o alinhamento das pedras que o compunham. Assim tivéssemos aprendido a ler terra pisada e teríamos extraído dali, daquela linha estreita, muito conhecimento.

Aprendi a gostar de caminhar naqueles caminhos de pó vermelho, tão característico do Algarve, chamava-se-lhe “poredo”, adorava bater os pés contra aquele pó fino, espalhando-o pelo ar, sujando os sapatos e as calças, enfim, mostrar aos graúdos que tinha feito uma grande caminhada. As veredas eram caminhos de movimento, ambientalmente sustentáveis, por lá passavam, pessoas e bestas, mulas e burros, que cabiam naquela estreitíssima largura de caminho onde nem as pegadas ficavam visíveis , porque tudo eram só montinhos de pó, completamente desalinhados.

Se encontrar uma vereda (se calhar conhece-a por trilho) palmilhe-a, observe-a, deixe-se encantar, siga-a. No fim não vai encontrar o caldeirão de ouro, mesmo que o arco íris a intersete nalgum ponto, mas vai encontrar histórias e, quem sabe, ainda vai descobrir que alguém da sua família, mais próxima ou mais afasta deixou ali a sua pegada há muito, muito tempo.

As veredas morreram, porque já ninguém anda a pé por necessidade, porque as bestas foram impedidas de trabalhar e os rebanhos também praticamente desapareceram.

As veredas deram lugar às estradas, onde não passeiam pessoas, nem bestas, nem rebanhos e as estradas estão reservadas aos carros que levam as pessoas aos seus destinos, muitas vezes conduzidas por bestas.

25
Mai22

Contemplando


Vagueando

 

CABOROCAPORSOLSET2009.JPG

Onde a terra acaba e o mar começa

Há mar e mar, há ir e voltar

Olhamos o Sol, esperamos que se despeça

O Sol foi-se, deixou de nos acalentar

 

Sol para onde vais, porque nos deixas?

Ficamos sós, apenas com a brisa do mar

Vou iluminar e aquecer outros, não quero queixas

Ficamos aqui sem luz, sem calor, a pensar

 

Ai se pudéssemos ser aquela ave em liberdade

Saborear o vento que lhe dá aquele sustento

Acompanhávamos o Sol até à próxima Cidade

Não ficávamos aqui parados ao relento

 

O céu e as nuvens parecem aqui tão perto

Junto a nós, junto ao mar, junto a ti, Sol

Já não sabemos o que vemos ao certo

Esperamos que a espera se canse da luz do Farol

 

 

24
Out21

Fui ver o Sol nascer


Vagueando

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Abri a janela, não o vi, ainda estava escondido

Apressei-me a sair, estava quase a aparecer

A rua estreita, em calçada, fria, fiquei tolhido

Faço o caminho rápido até ao jardim para o ver

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O Sol subia rápido lá longe, onde a vista alcança

Enquanto a sua luz descia lentamente pela serra

Afinal o Sol não subia, é o planeta que avança

Estranha ilusão, este movimento da nossa Terra

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Ciências à parte, vim apenas por puro prazer

A esta hora não há gente nem carros aqui

A brisa fria e frágil faz-se sentir sem se ver

Tanto silêncio, apenas um galo cantar, ouvi

20211023_080509.jpg

 

As folhas mortas caídas, são tapete colorido

Fogem por vezes, empurradas pelo vento

O Outono diz-me muitos segredos ao ouvido

Sol já está mais forte, liberdade ao pensamento

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Acabou o espetáculo, dura pouco, como o ocaso

O Sol anda baixo no Outono, mas agora já vai alto

Vou-me embora, mas regresso amanhã, por acaso

Gostaria de alcançar o Sol com um simples salto

10
Out21

Ai,ai, o Outono ainda agora chegou


Vagueando

 

20210923_091159.jpg

A natureza é perfeita, segundo dizem, embora eu discorde.

Talvez o problema seja meu, humano, sensível a estados de alma e a minha alma não gosta nada do Outono.

Aliás se a natureza fosse perfeita, não existiram terramotos, dilúvios e vulcões que destroem um pouco de tudo por onde passam, incluindo vidas humanas e vida selvagem. Dizem que a culpa é nossa que contribuímos e muito para que a natureza seja agressiva. Pois que seja agressiva connosco, se nos julgar culpados. Contudo, se fosse perfeita não seria agressiva com a vida selvagem a qual, supostamente, vive em perfeita harmonia com a natureza.

É por isso que existem humanos a defender, com unhas e dentes, a dita, por vezes provocando uma autêntica selvajaria, que a vida selvagem não usa.

Regressando ao Outono essa maldição que, com uma beleza estonteante, se abate sobre mim.

Detesto-o, aliás se a natureza fosse perfeita jamais permitira que uma estação (do ano) passasse pela Terra, quanto mais implantar-se por cá durante 3 meses.

O Outono desencanta-me, deprime-me, tira-me luz ao meu dia, transformando-os em meios-dias de luz, ou menos, quando o nevoeiro estaciona em Sintra, piorando ainda mais a minha angústia.

Porque não um Outono, com frio, com chuva, com vento, com tudo aquilo a que tem direito, mas com dias grandes?

A Ciência a Astronomia explicam-nos a razão pela qual os dias encolhem no Outono mas eu não quero que me expliquem, gostaria que fosse de outra forma e ninguém tem a solução para evitar chegada ou a passagem do Outono, pelo menos em Sintra.

Quando me dizem não há impossíveis, desato-me a rir.

Quem me dera, que me desculpem os ecologistas, poder viajar agora mesmo, de preferência num jacto supersónico, para o hemisfério Sul. Ficar por lá durante a sua Primavera e o seu Verão e regressar de novo a Portugal só no próximo mês de março.

Como infelizmente não posso, vou vendo o Sol cada vez mais deitado a fingir que ilumina as ruas e as árvores com cada vez menos folhas e vou deliciando-me (a única coisa que me anima nesta altura do ano) com as múltiplas cores que as árvores de folha caduca apresentam.

Não há paleta de cores que represente tão bem aquele colorido das folhas caídas. Se calhar, afinal, a natureza é perfeita!

O Sol também merece descanso ou seremos nós que merecemos noites maiores para dormirmos e descansarmos mais?

Não sei se alguém padece deste mal. Se sim poderíamos formar um movimento anti-outono, assim como assim, há por aí muitos movimentos anti-qualquer coisa, seríamos apenas mais uns a fazer figura de urso.

Por acaso não sei se os ursos gostam do Outono, mas acredito que gostem destas fotos, até porque, tanto quanto sei, não há ursos em Sintra e como ainda não pertenço a nenhum movimento anti-outono, julgo eu, não estou a fazer figura do dito.

Tenho dito e mais não digo, porque o silêncio também fala, em especial no Outono.

Com este desânimo quase me esqueci das fotos, que podem ser vistas no link abaixo. As minhas desculpas para a fraca qualidade, mas a minha máquina fotográfica, quem sabe por causa do Outono, tem-se recusado a sair comigo, pelo que tenho recorrido ao telemóvel, esse amigo/inimigo que nos acompanha por toda a parte.

https://photos.app.goo.gl/wuUj4Ei2uGwGpPVv9

 

 

13
Jun21

Sintra, Sol e nevoeiro


Vagueando

O Sol, a que chamam astro-rei, tem o poder de nos aquecer e iluminar. Contudo, não tem a capacidade de escolher o que aquecer e iluminar.

Cabe à Terra, com o seu movimento de rotação e trasladação, decidir onde e quando o Sol ilumina e aquece. Para além disso, o Sol ainda está limitado na sua acção, pelas nuvens, pelas montanhas, pelo nevoeiro, pelas florestas.

Mas o Sol, não fosse ele o Astro Rei, tem gostos e simpatias e, notícia em primeira mão, confirmada pelo fact-check, o Sol gosta muito de Sintra.

Sintra não é fácil de se deixar ver, quer a turistas, quer ao próprio Sol, gosta de se esconder por baixo do nevoeiro. Até para mim, que aqui resido há 63 anos, quando está nevoeiro, tenho muita dificuldade em ver o portão da minha casa, quanto mais ver a Serra, os monumentos e os jardins.

Se o astro rei fosse dotado de movimento próprio, estacionava em Sintra. E quando resolvesse dar uma volta, passava rapidamente pelo país do sol nascente, apenas para cumprir o protocolo e vinha deitar-se junto ao mar, logo após se despedir do fim geográfico da Europa (convém referir para não se confundir com o fim político e social da mesma) e ficaria ali, eternamente, a contemplar Sintra, a sua serra, os seus palácios e o castelo.

O Sol deitado no mar, sem nevoeiro, deslumbra-se com tanta beleza e cor. A sua luz entra pelas janelas dos palácios criando sombras fantasmagóricas que não vê mas imagina.

Ao fim de tantos séculos a passar por aqui, ainda não conseguiu perceber se a beleza, a cor, a nitidez, deriva da sua própria luz ou se da reflexão da mesma na serra e nos seus monumentos.

A Terra não lhe concede tempo extra, continua no seu movimento imperturbável. O Sol, por vezes, em jeito de agradecimento, pela ausência de nevoeiro, deixa ver, por breves instantes o raio verde, mesmo onde o mar e o céu se juntam mas não se confundem.

Gostaria de dizer ao Sol que, mesmo com a sua luz filtrada pelo nevoeiro ou mesmo de noite, Sintra continua bela e tenho pena que o Sol nunca consiga ver a sua beleza nestas alturas.

Quem sabe, um dia, o Sol, possa reinventar-se e passar por cá uma noite destas, sem dar nas vistas - afinal há países onde o Sol passa por lá à meia-noite - para ver que mesmo sem a sua luz e o seu calor, Sintra continua bela e propícia ao amor.

Para que não me acusem de mentir, coisa que já fiz aqui https://classeaparte.blogs.sapo.pt/mentira-16889 deixo, no link abaixo, algumas imagens de Sintra, da sua serra e dos seus palácios onde fica evidente que o Sol e o nevoeiro têm um especial apego a esta maravilhosa e misteriosa vila.

https://photos.app.goo.gl/gmEXqwchQejoWoEy5

07
Dez20

30 dias, 30 imagens, um sonho, uma realidade


Vagueando

Imaginemos que todos os dias recordávamos algo que vivenciámos de forma agradável.

Foi o que fiz durante todo o mês de Novembro. Ao longo do mês escolhi, todos os dias uma foto de locais onde estive, com o objectivo de construir uma história à volta delas, que pode ou não, fazer sentido.

No início de Dezembro, comecei a olhar para aquelas fotos e, ao fim de algum tempo, lá nasceu qualquer coisa.

Se quiserem podem abrir todas as fotos no link abaixo e acompanhá-las com a leitura.

https://photos.app.goo.gl/ZY5R3JxC9NqREcqcA

Viajem comigo, se tiverem paciência, pelas imagens, todas recolhidas em Portugal entre 2015 e 2020, algures entre a Serra da Estrela e o Alentejo, bem como Sintra.

Sujeito ao escrutínio do leitor avaliar o quão reconfortante e enérgico é subir ao alto de uma serra para ver nascer o Sol. A espera pode parecer monótona, haver até uma sensação de frustração. Contudo, quando o Sol desponta, apercebemo-nos que nasceu mais cedo para nós só para compensar o nosso esforço.

A brisa fresca começa a ser temperada pelo ténue calor que a gigantesca luz proporciona. A rápida mutação das cores, o movimento da vegetação e das pessoas parece surreal, só comparável a um bailado sem coreografia, em que o movimento sem regras é tudo e só isso, ar puro, luz natural e liberdade total.

Já mais despertos e revigorados, com o Sol já alto, vamos caminhando em direcção a lado nenhum, encontramos uma casa abandonada que nos segreda que precisa calor humano. Não que lhe falte calor, falta-lhe movimento e gente. O Sol quando nasce é para todos, inclusivé para as casas que agradecem o calor e algumas, mais calorentas procuram estar próximo da água e deixaram-se seduzir por um relvado em cima do seu telhado, bem plantado pela engenharia, da natureza.

P5190223.JPGSubimos de novo a outra montanha, está nublada e gélida. Não obstante, uma nuvem cool, deixa passar a réstia de Sol que acerta no único pedaço de neve que ainda resistia, fazendo a sua brancura sobressair no meio do castanho pedregoso.

P8090718.JPGJuntamo-nos de novo, para ir a lado nenhum, mas em contraluz para a fotografia, um a um, todos em pose e em posse das faculdades psico-motoras que nos hão de levar a outros locais onde, eventualmente, não pararemos, contemplaremos em andamento lento, não nos cansemos.

 

Deito-me ao nível do chão para ver fugir os que já lá vão, dou de caras com um cão que não fez ão, ão, apenas me deitou a língua de fora e disse; Afasta-te estou à espera da minha ração. Até eu comia uma ração de combate se a tivesse, mas não disse nada ao cão. Os cães não gostam ser incomodados quando comem.

Viro-me de barriga para cima vejo o céu e uma erva azeda, desoriento-me, viro-me de novo, agora de lado, à procura dos outros que seguiram pela vereda, mas a minha visão esbarra num lago, estou perdido.

Levanto-me, recomponho-me e sigo, pé ante pé, retomo o caminho, qual caminho? Nem eu sei. Só sei que estou ali sozinho, entre o céu e a terra e o bendito caminho. Caminho, caminho, caminho, até o sol fugir.

Acordo, estava a sonhar, na caminha!

Não sei que horas são, nem quero saber, vou correr atrás do sonho, corro o risco de me perder, agora a sério, mas tem que ser.

Levanto-me confuso mas com prazer, saio a correr.

Sintra espera-me.

Gosto de ver gente, mas não gosto de estar com muita gente, nem no meio de muita gente, não há gente na rua, que raio, mas é de dia. Onde é que se enfiou toda a gente.

Estou doente, dormente, demente

A cabeça está oca, o corpo não sente

Tenho medo de deixar de ser gente

E que o corpo já não se aguente

Ainda não sei que horas são, estou perdido entre sonho e a realidade, mas é mesmo de dia, não é verdade?

Tinha-me esquecido, estamos no meio, a menos de meio ou a mais de meio, de uma pandemia. 

Não há gente, não há movimento a não ser o da terra em torno do Sol que no-lo trás todos os dias indiferente ao que gente, crente ou descrente, sente.

 

Vagueio por Sintra, vejo cafés, hotéis, monumentos, escadas e arruamentos sempre sem gente.

Está tudo igual, mas tudo tão diferente, que nem acredito que ali estou, no meio da estrada a olhar para uma paragem de autocarro sem passageiros à espera, quando antes se amontoavam e desesperavam com o muito trânsito que lhes atrasava o transporte. Sintonizo o meu olhar para tentar descobrir algo que nunca vi e vi, uma árvore esburacada que me faz lembrar uma gruta. Pareceu-me ver lá dentro um duende. Olho para as outras estão alinhadas a receber o resto do sol do dia.

Faço mais um esforço e descubro que é Natal, a árvore que o anuncia está ali em frente ao Palácio Nacional, é um dejá vu desta vez estranho porque é mesmo estranho.

20201203_140810.jpg

Procuro outro ângulo de visão e encontro, descubro o Castelo debaixo daquela árvore de Natal, artificial, tempo esquisito este, ouvi dizer que é o novo normal.

PC190496.JPG

Ando por ali perdido no meio de tanta falta de gente, perdi as minhas referências, caminho e esbarro numa corda que parece suspensa no céu. Belisco-me, estou acordado, acho eu.

Fico por ali a pensar se devo subir – será que mereço – ou resistir.

Olho mais uma vez, não há gente, mas vou esperar mais um pouco, talvez ainda não seja ainda a minha vez que, seguramente, há de vir.

Feliz Natal

22
Set20

As portas


Vagueando

Vejo portas por todo o lado. Contudo, atrás delas nada se vê, como se nada houvesse para ver. Vejo e sinto o medo de as abrir, sair ou entrar. As portas já não se mexem, não servem para entrar e sair.

Tornaram-se no símbolo da clausura.

As portas que antes se destinavam a resguardar a nossa intimidade e privacidade tornaram-se, sem novo acordo ortográfico ou alteração do seu significado no dicionário, mesmo sem serem portões de uma qualquer prisão, no símbolo da nossa prisão domiciliária, sem pulseira electrónica mas com a app, de sabor amargo, a Stayaway Covid.

É uma sensação estranha, igual à que sinto perante a luz do mesmo Sol. Na Primavera sinto alegria e no Outono, não me sentindo necessariamente triste, fico mais abatido. Estas portas fechadas na Primavera e Verão, transforam luz do Sol da Primavera, na luz do Sol de Outono.

As únicas portas que parecem ter movimento são as giratórias entre tachos, amigos e compadrios comportamentos, curiosamente, pouco sadios, no tempo em que está em causa a saúde pública.

As portas onde especialistas em saúde, epidemiologistas debatem, à porta fechada o problema para o qual não têm solução, mandam, porta fora, o máximo de coeficiente de cagaço, o qual se resume a feche a porta e não respire.

Em consequência, as portas para quem tem trabalho, parece que vão começar a abrir e a fechar em horários desfasados para não se juntar tudo, ao mesmo tempo, às portas dos transportes. Curiosamente ou não, as portas para quem não tem trabalho vão manter-se, por muito tempo, infelizmente, fechadas, quiçá a sete chaves. Estão fechadas a todos os que andam de porta em porta à procura de emprego e, se alguma delas se abrir, é engano, serão de imediato fechadas na cara de quem lhe bateu e se se mantiverem abertas, dificilmente serão boas portas.

A minha porta está triste porque não vê os meus amigos, nem os meus vizinhos. Sim, a minha porta é muito sensível ao tacto, gosta de ser puxada e empurrada por estranhos e de ser violentamente atirada contra o batente pelas correntes de ar. Nem pensar, o vírus pode entrar no meio de tanto ar. Não é uma porta falsa, nem que se fecha na cara de alguém, não é porta de armas, é porta que se comporta de acordo com as melhores práticas de serralharia e opera apenas e só dentro do seu limitado raio de acção, suportada pelas suas velhas dobradiças.

Vejo outras portas por aí com algum movimento é certo mas trocam sms com a minha porta e queixam-se da tristeza que sentem de ver tão pouca gente e quase ninguém lhes toca com as mãos, uns empurram com os pés, outros empurram com o corpo em marcha atrás e outros com os cotovelos. E o pior é que não conseguem ver ninguém a sorrir mesmo que essa bela expressão esteja presente no rosto de quem está feliz (o que é difícil) as máscaras tiranas, não deixam as portas espreitar o sorriso de alguém. Assim apenas observam o medo espelhado nos olhos de quem entra e de quem sai.

Nem as portas de cores vivas e modernas ou de vidro transparente, bem polido, deixam transparecer alegria, vivacidade, curiosidade ou afecto, todas as pessoas tem o mesmo aspecto, todas de máscara na cara. Antes era sinal de assalto, agora é sinal de que fomos todos assaltados; Roubaram-nos a liberdade e a das portas também.

Até as portas de um hospital já se fecharam ao público por causa do vírus e também se fecharam em copas nas explicações da razão de tal procedimento, violento, o que lamento.

Custa-me ver portas fechadas por medo, não por respeito ao descanso ou à privacidade, parece que estamos todos às portas da morte.

Nem no Tejo, onde as suas margens estreitam, se fecharam as Portas do Ródão, continuam bem abertas a respirar e a deixar passar o ar e o rio, que não se confinaram.

Vamos fechar as portas ao medo e abrir as portas à esperança, porque não quero que a porta da minha e das vossas casas se transformem nas portas da nossa prisão.

Deixo aqui as fotos de algumas portas fechadas por esse país fora, na esperança de as vejam como eu gostaria de ver, com movimento, com gente, sem ferrugem nas dobradiças.

https://photos.app.goo.gl/zWHRcYiJdKvngWG46

 

Entretanto descobri uma porta cuja foto não é da minha autoria mas que gostei e partilho aqui convosco A Cideade De Chaves - Pormenores. Os meus agradecimentos ao autor.

Entretanto descobri outra porta, cuja foto não e da minah autoria mas que gostei e partilho também aqui convosco Está aí alguém. Os meus agradecimento à autora.

 

24
Abr20

Um lugar ao Sol


Vagueando

20200423_180639.jpg

 

Na década de 80 vibrava-se, com os Delfins e a sua canção, “Por um lugar ao sol.”

Sempre gostei desta música embora nunca tenha gostado de me expor ao Sol. Recordei-a hoje, por um detalhe do tipo, lusco fusco, que dura tão pouco que mal temos tempo para apreciar.

Estamos confinados em casa, privados do nosso lugar ao Sol, sem lugar para ver o Sol ou num lugar sem ver o Sol.

E ainda dizem que o Sol quando nasce é para todos!

Tenho sorte de viver em Sintra e poder sair para pequenos passeios a pé com a minha mulher e com o meu cão.

Consigo fazê-los sem ver gente, sem ver movimento, sem ver acção, sem ver tuk tuks, sem ver turistas, sem ver sequer residentes, sem ver fontes produtoras de ruído, sem ver o que provoca sons tão melodiosos que pensava já não existirem, tudo tão diferente, tudo tão estanho.

Apenas a humidade e o nevoeiro não mudaram em Sintra, no meio de tanta mudança.

A pé temos tempo para tudo, para olhar, para observar, para fixar, mas não temos muito tempo para provar o que os nossos olhos descarregam no cérebro.

A foto que serve de tema a este post esteve ali disponível durante menos de 30 segundos, lá está, a única coisa que não mudou com o maldito vírus foi o nevoeiro, a humidade e as nuvens que gostam muito de tapar a serra de Sintra.

Assim durante 30 segundos tive o meu lugar ao Sol, mas nem sequer tive tempo para me sentar.

Reza a música dos Delfins.

“Não pares de lutar agarra o dia ao nascer há uma batalha a travar que só tu podes vencer... só tu podes vencer”

Eu quis agarrar aquela réstia de sol que se esgueirou. Mas não foi possível. Não era o dia a nascer era o ocaso do Sol.

Fez-me lembrar a Balada da Neve de António Gedeão;

"Batem leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva? Será gente? Gente não é, certamente e a chuva não bate assim"

E  o sol neste local, mesmo sem nevoeiro ou nuvens, ao nascer, não bate assim, nem ali, nem está lá gente para o receber como, certamente, merecia.

Espero que todos possamos, rapidamente, voltar a ter o nosso lugar ao Sol, na cidade, na praia, no campo e, porque não em Sintra.

Pode ser que as nuvens, o nevoeiro e o vírus nos concedam esse desejo e deixem de bater por aí, porque se as nuvens batem levemente o vírus não pode bater assim, em tanta gente.

01
Dez19

Sensações de Voar


Vagueando

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Não sou pássaro, nem tão pouco tenho penas ou asas

Não sou santo, não rezo novenas, estou tão longe do céu

Não quero os pés assentes na terra, não quero coisas rasas

Quero ar que me sustente a voar, para um deserto ilhéu

 

Quero ver, quero ver o sol nascer e entardecer, até morrer

Quero olhar lá de cima cá para baixo, como se fosse alado

Quem me dera poder estar sempre no ar, sem desfalecer

Quero respirar o ar, no ar, a voar, a observar, deliciado

 

Voar sem motor, usufruir a beleza, o momento, sem poluir

Penso que sou ave de rapina, não, afinal vou é de planador

A beleza do voo, o movimento sobe e desce, tão belo fruir

Olho à volta, através da canopy transparente, sem pavor

 

Sinto-me seguro no ar, porque o ar me segura, com ternura

Dou voltas, sinto os estremeções das correntes ascendentes

Tomo toda a atenção aos detalhes, não aos actos de loucura

Aplico todos os procedimentos e bom senso, não há acidentes

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