Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Generalidades

Generalidades

22
Mar22

Os Amigos dos Comboios também andam a pé, mas na linha


Vagueando

Foi a segunda vez que fiz este lindíssimo percurso nesta linha férrea fechada ao tráfego ferroviário em 1985. A primeira vez, foi há cerca de 25 anos.

Vim pela aventura mas porque também envolvia uma via férrea, com muitos túneis e pontes, o que ainda me fascinou mais. Desta vez voltei, com a minha mulher e um amigo, com o mesmo gosto pelos comboios, mas despido de qualquer espírito de aventureiro, muito menos de aventureiro tipo rede social, que não espera que a dita seja para sua segurança, mas sim a catapulta para o estrelato .

Regressei imbuído do mais profundo respeito por todos aqueles que trabalharam arduamente na construção desta via-férrea, esses sim os verdadeiros aventureiros desta obra que, 135 anos depois, ainda perdura, muitos dos quais nunca a viram concluída, porque morreram a construi-la. Sobre estes homens e, porque não dizê-lo, sobre os inúmeros animais de carga que trabalharam nesta construção não existem registos filmados e os que eventualmente existem, não os mostra a fazer poses estudadas e ensaiadas para a camara de filmar. Mostram-nos a trabalhar em condições de segurança certamente deploráveis à luz do que sabemos hoje.

E regressei também porque o Camino de Hierro, fazendo justiça aos sacríficos de tantos quanto trabalharam nesta grande obra, em boa hora se lembrou de reabrir esta via para que não se perdesse tudo, o trabalho, o comboio, o património e as pessoas, num local onde estas já quase não existem. A Instituição Camino de Hierro, limpou, cuidou, preservou, informou, criou excelentes condições de segurança, para que seja possível, com um impacto ambiental mínimo (o que também é também característico do comboio), ver este magnífico percurso com os nossos próprios olhos. Só assim podemos realmente apreciar a beleza e a imponência deste magnifico traçado.

Fazer este percurso a pé, passando cada um dos vinte túneis e cada ponte a pé, é uma experiência que pode ser contada, pode ser filmada, pode ser vista virtualmente, mas nenhuma destas hipóteses lhe dará a mais pálida ideia do que é lá estar. Existe muita informação sobre este percurso, Rota dos Túneis como a designamos em Portugal ou Camino de Hierro, como a designam os nossos vizinhos espanhóis, pelo que este meu texto é mais um no meio de tantos.

transferir.jpg

Contudo, gostaria que fosse diferente na medida em que o meu objetivo não é tanto descrever o passeio, mas sim contar o que o trajeto nos conta, mesmo que não fale com ninguém, nem em português nem espanhol, até porque o silêncio é uma constante ao longo de todo o percurso e deve ser especialmente preservado dentro do túneis 1 e 3 por causa da grande comunidade morcegos que neles habitam, mas sabe comunicar e bem.

Basta que ao longo do percurso se Pare, Escute e Olhe.

 

Em 1864 uma comissão técnica luso-espanhola sugeriu a construção de cinco ligações ferroviárias entre os dois países onde se incluía uma linha que ligaria Barca D’Alva a Ledesma, por La Fregeneda e Vitigudino. Em 23 de Julho de 1883, por pressão de empresários portuenses, foi aprovado por Decreto-Lei o prolongamento da Linha do Douro até a fronteira luso-espanhola, na freguesia de Barca d’Alva. A Compañía del Ferrocarril de Salamanca a la Frontera de Portugal, foi constituída em Madrid a 8 de Janeiro de 1885, com capital social exclusivamente português, para angariar fundos destinados à construção da via do lado espanhol, afinal eram os empresários portuenses através dos Bancos da cidade do Porto, os principais interessados em ligar o Porto à Europa. O troço que liga a estação de La Fregeneda a Barca D’Alva tem cerca de 17km de um total de 77 km que começava na Estação de San Esteban. É por isso que ao longo de todo o nosso percurso vamos vendo a marcação dos km a partir do Km 60.

A entrada em Portugal implicou a construção da Ponte Internacional sobre o Rio Águeda, ponte essa sujeita a inúmeras discussões, decisões e erros. Ora era necessário atravessar o rio na perpendicular ou de forma oblíqua, ora os custos com a sua construção deveriam ser suportados pela empresa encarregue da construção da linha ou pelos dois estados em partes iguais, razão pela qual o orçamento entregue pela empresa responsável não incluiu os custos da sua construção e ainda porque a ponte tinha que ser concebida de forma a ser facilmente destruída em caso de guerra.

A construção destes 17 km de via-férrea foi bastante dura devido à orografia do terreno que obrigou à abertura de 20 túneis e à ligação dos desníveis com 10 pontes. Para trás ficam ainda mais três pontes, a de Yeltes ao km 18, com um comprimento de 156,80 m e 39 m de altura, a de Camaces, ao Km 39,65, com um comprimento de 60,7 m e 13,26 m de altura e a de Froya, ao km 60,4 (portanto muito próxima do início do percurso em La Fregeneda) com 165,74 m de comprimento e 34,6 m de altura. Mais de dois mil trabalhadores executavam tarefas perigosas, como a utilização de dinamite para a abertura dos túneis, escavando grande parte com picaretas. A força humana foi complementada com a ajuda da força de animais de carga.

Estes perigos aliados à falta de infra estruturas sanitárias, condições de segurança no trabalho e numerosas epidemias, causaram a morte a muitos operários, tendo sido necessário construir nas imediações da estação de Valnoguera em La Fregeneda um cemitério, onde eram sepultados os operários mortos e depositados também animais que pereceram na construção.

Em 9 de Dezembro de 1887 a linha foi inaugurada, com a cerimónia a decorrer na Ponte Internacional, tendo o Porto ficado ligado a Salamanca e, a partir daí à Europa. Curiosamente a foto da inauguração da ponte que consta no site do Camino de Hierro, gerido pela autarquia de Salamanca, foi tirada por Carl Emíl Biel, nascido na Alemanha em 1838 que emigrou para Portugal onde se fixou e aportuguesou o seu nome para Carlos Emilio Biel, sendo o tetravô de Rui Moreira, atual presidente da Câmara Municipal do Porto. É a ele que devemos muitas das fotos das obras de arte ferroviária no norte do país, com especial relevo para a Linha do Tua, deixando aqui a recomendação de lerem o livro 1887 a Linha do Tua de Emilio Biel, edição do Projecto FozTua.

Resumir toda a história desta linha, mormente as dificuldades na sua construção numa ou duas folhas, não refletiu as dificuldades dos que nela trabalharam, numa altura em que não existiam máquinas, apenas e só a ajuda de animais de carga. Por me parecer de mais elementar justiça, deixo aqui algumas notas dessas dificuldades. 

  • A povoação de La Fregeneda era abastecida com água do rio Águeda. A forma de a ir buscar era recorrer a burros que desciam ao rio através de estradas ou melhor veredas. Estão a imaginar o batalhão de pessoas e burros necessários ao transporte de água na altura da construção da via-férrea.

Para além da torre, o lado esquerdo da foto, assinalado a vermelho é possível ver as ruínas de uma casa que poderia ser uma oficina de ferreiros ou uma enfermaria para apoio aos trabalhadores das obras.

Torre.jpg

  • Devido às dificuldades de captação de água, a seguir ao Tunel 4 e ainda em cima da Puente de Poyo Rubio é possível ver uma Torre com mais de 60 metros de altura, construída em 1963, que serviu para captar água bombeada do rio (estamos a falar de uma encosta com um desnível de 500m), bomba essa que foi instalada a seguir ao túnel 8.
  • Durante a construção da linha entre 1883 e 1887 faleceram 1.331 pessoas cuja relação com a construção da linha era a seguinte:
    • Mortes por acidente 71
    • Mortes por crime 10
    • Mortes acidentais 15
    • Mortes por doença 226
    • Familiares de trabalhadores mortos por doença 23
    • Residentes mortos por doença 989 Total 1.334
    • Do total de mortos por acidente, 16 morreram afogados no túnel 1 devido a uma violenta tempestade que alagou o túnel e 6 que morreram por asfixia devido a um deslizamento de terras em Arroyo de Lugar.

Dados recolhidos no livro “El Ferrocarril de Abadengo de de Emilio Rivas Calvo, lançado em Novembro de 2021.

A maioria das mortes foi motivada por doença, sendo de salientar 126 por paludismo, 145 por Gastroenterites e 72 por enterites. A maioria dos falecidos eram de localidades próximas como Lumbrales, Hinojosa e La Fregeneda. Contudo, também ocorreram mortes de trabalhadores estrangeiros, nomeadamente um portugueses, um alemão, um belga e um francês. O português acabou morto numa rixa, o que era frequente entre trabalhadores de outros países e de outras províncias espanholas, mal vistos pelos residentes em La Fregeneda, devido a rivalidades e porque a sua presença era vista pelos locais como a causa de especulação de preços de bens de primeira necessidade.

  • As pontes foram construídas por discípulos de Gustave Eiffel a quem se deve a invenção em 1879 de pontes pré-fabricadas padronizadas, sistema que nasceu de uma conversa entre este Engenheiro e o governador de Cochin na China. Estas pontes usavam um pequeno numero de componentes padrão o que permitia o seu transporte em áreas com estradas degradas ou inexistentes, sendo que estes elementos eram unidos com parafusos em vez de rebites o que também permitia reduzir o número de operários qualificados no local da obra, razão pela qual especulo eu, que esta característica terá sido muito útil na construção das pontes desta via férrea.

É a partir desta ligação ferroviária, que Eça de Queiroz, auto-caricaturando-se de Jacinto, personagem do seu livro A Cidade e as Serras, entra de comboio em Portugal, vindo de Paris. Jacinto, o homem rico, educado e viajado a viver num palacete em Paris, rodeado de criados e de todas as inovações (à altura invenções) da época e que, ainda assim, vivia entediado e contrariado, acaba por ser obrigado a viajar para o Douro, acabou por se apaixonar pelas suas paisagens.

A ligação de La Frgeneda a Barca D’Alva, segundo  Jacinto, foi feita de noite, a avaliar pela descrição que faz no livro da chegada a Barca D’Alva, estação fronteiriça, pelo que não terá tido oportunidade de apreciar este percurso naquela viagem.

—.percebi junto do meu catre, na claridadezinha da manhã coada pelas cortinas verdes, uma fardeta, um boné que murmuravam baixinho com imensa doçura;

—V.Exas não têm nada a declarar?

—Era a minha terra!

E de seguida, à chegada à Régua, enquanto acariciava o bigode, exclama;

—O Douro hem?.. Tem grandeza.

Grandeza é a palavra certa, se calhar até pequena demais, para designar esta zona. A grandeza do rio Douro vem da sua largura e da regularização imposta pelas barragens o que permitiu que o seu curso se transformasse num espelho de água, o qual reflete toda a imponência da obra humana que foi sendo erguida, através dos socalcos e da arquitetura das suas casas e do serpentear da sua linha. A grandeza do rio Águeda e das montanhas que o rodeiam ao longo do percurso é bruta, é a natureza a impor-se ao homem. Só a sua grande capacidade de moldar o meio ambiente tornou possível, ainda que com um custo elevado em vidas humanas, abrir esta via-férrea. Contudo, o seu encerramento, desertificou a povoação de La Fregeneda mas incrementou a vida selvagem, nomeadamente através da presença de várias aves de rapina que por vezes se deslocam até à antiga linha do comboio, sendo possível cruzarmo-nos com elas e também a maior comunidade de morcegos da Europa, que habitam dentro do túnel 1 e 3.

A caminhada, na linha

Não vou descrever todo o percurso ainda que deixe no final um link para puderem ver as fotos e a lista de túneis e pontes, sendo certo que nestes 17 km, mais de 4 km são feitos dentro de túneis e um pouco mais de 1 km são feitos em pontes, em suma, 30% do passeio desenrola-se debaixo do solo ou suspenso em pontes. Se sofrer de claustrofobia e/ou de vertigens deve equacionar a possibilidade de não fazer este percurso. Quanto à claustrofobia é fácil ensaiar. Como o túnel maior é logo o número 1 (1.593 m) a menos de 1km do ponto de partida, se se sentir desconfortável basta-lhe voltar para trás. Já quanto às vertigens a primeira ponte (Puente del Morgado) surge após o túnel 3, ao km 5 com uma altura de 21 metros, se se sentir desconfortável, voltar para trás pode já não ser opção. Ainda assim as pontes estão muito bem guarnecidas e protegidas, atravessá-las não será perigoso.

Este percurso está cheio de pontos altos, a começar pela altitude da estação de La Fregeneda, a 527 metros acima do nível do mar, pelo que até Barca D’Alva, que se encontra a 134 m, é sempre a descer e, como se sabe, a descer todos os santos ajudam até a contemplar as belas paisagens que encontramos.

As expectativas para fazer este percurso eram altas, ainda que para mim e para a minha mulher fosse uma repetição. Queríamos desfrutar toda a beleza do percurso sem o stress de pisar pontes em mau estado (o que aconteceu da primeira vez) e agora com conhecimento dos dados e história que levaram à sua construção, um verdadeiro desafio para a engenharia da época, bem como das dificuldades que enfrentaram, nos faria olhar de outra forma para este passeio. O nosso amigo também ia com a expectativa em alta porque já lho havíamos descrito e até mostrado algumas fotos de aventureiros a passar as pontes, antes da intervenção do Camino de Hierro.

A sucessão de túneis e pontes faz com seja impossível não estar atento a tudo o que muda tão rápido, até mesmo o rio Águeda que nos acompanha desde a saída do túnel 3 até ao final do percurso nos parece por vezes diferente, tantas são as curvas e contracurvas que as serras que o ladeiam o obrigam a fazer e que a linha, descendo graciosamente acompanha. Os túneis 1 e 3 estão devidamente fechados para evitar que alguém entre no percurso sem qualquer controlo e para evitar que se perturbe a comunidade de morcegos neles existentes.

Somos obrigados a entrar entre as 9h e as 10h, percebe-se que a intenção é garantir que quem faz todo o percurso termina até às 16h e 30m. A segurança dos visitantes é levada a sério, alguém espera por nós no final da rota para garantir que ninguém ficou pelo caminho.

O túnel 1 está muito próximo do início do percurso, o mais comprido com 1.593 metros, em linha reta e suporta a carretera CL 517 que liga Barca D’Alva a La Fregeneda e a Lumbrales. Durante cerca de 30 minutos de caminhada vamos vendo a luz ao fundo do túnel mas parece que nunca vamos lá chegar.

Próximo do km 7 saímos do túnel 6 deparamo-nos com a ponte Poyo Valiente (para mim as mais bela de todo o percurso) no final da qual está outro túnel, o nº 7. A curva à direita não nos deixa ver a luz ao fundo túnel, que está à nossa frente. À medida que nos afastamos do túnel anterior e nos aproximamos do seguinte, sem ver a saída, baralha-nos os sentidos parece que ficámos encurralados e suspensos a 16 metros de altura.

Ficamos a meio da ponte a desfrutar a paisagem olhamos à direita e à esquerda, túnel de um lado, túnel de outro, nem saída nem entrada visível. 

Ponte Poyo Valiente vista do túnel 6 com o túnel 7 em segundo plano bem como os meus companheiros de viagem no canto inferior direito

P3090072.JPG

De repente sinto-me uma criança dentro meu comboio, eléctrico às voltas naquela linha circular, assente no chão da minha sala, com um túnel fantasia em que imaginava uma ponte ali algures é que ficava bem. Era esta ponte que não conhecia mas que comporia tão bem o meu comboio.

Nos próximos 6 km a sucessão de 11 túneis e de três pontes e ainda de dois pontões é estonteante. As ribanceiras, o rio Águeda estreitinho lá em abaixo parece vir ter connosco à medida que vamos descendo, as aves de rapina vão-nos acompanhando e até um bando de grifos ia rodopiando por cima de nós.

Segundo o guia do Camino de Hierro que vai até ao túnel 3 para o fechar de novo após a nossa passagem, existia uma vaca morta na fraga, pelo que o banquete era grande.

Propositadamente não faço grandes descrições porque quero deixar o leitor estimular a sua imaginação e ficar com vontade de ir até lá e também porque não creio que exista uma forma decente de colocar em palavras todas as sensações que vamos experimentando.

Lembra-se do que disse no início a melhor forma de desfrutar o passeio é; Pare, Escute e Olhe.

A partir do túnel 17, mais ou menos ao km 13, parece haver poucos motivos de interesse, mas não se deixe enganar, é o cansaço a tomar conta de si. Observe como o rio Águeda se alargou e vai ficando cada vez mais perto de si.

Do lado de lá em Portugal começa a ver sinais de vida através da cultura em socalco, tão característica nas margens do Douro, se for na época das amendoeiras em flor, que foi o nosso caso, aí estão elas a dar o efeito de neve e eis que surge o túnel 18 e a seguir a Puente de las Almas ( que se vê também da estrada que liga Barca D’Alva a La Fregeneda e do Miradouro do Alto da Sapinha na estrada que liga Barca D’Alva a Figueira de Castelo Rodrigo).

Em baixo a Ponte de Las Almas vista da estrada que liga Barca D’Alva a La Fregeneda.

P3090167.JPG

Mais um esforço e entramos no túnel 19 e logo de seguida no túnel 20 que desemboca na Ponte Internacional. Se deixou o carro em La Fregeneda estará aqui alguém à sua espera para o levar de volta, caso contrário siga em frente até Barca D’Alva. Para além das instalações sanitárias no início e no fim, ao Km 11, mesmo antes do túnel 15, encontra-as novamente, muitíssimo bem cuidadas e limpas, com água (não potável) sabonete e toalhetes de papel para limpar as mãos. Um verdadeiro luxo, sem qualquer tipo de exageros.

Bilhete Salamanca- B Alva 11.5. 1937[3100].jpg

 

 

 

 

 

 

E para terminar em beleza, deixo a imagem de um bilhete de 2ª Classe, gentilmente cedido pela "Coleção de M. Olímpio S. Barros", que obtive com a colaboração da CP.

 

 

 

 

 

 

Ficam ainda as imagens, no link abaixo, para que possam continuar a desfrutar da beleza deste passeio, com fotos minhas, da minha mulher, Mariana Raimundo e do meu amigo António Palma.

https://photos.app.goo.gl/JWY7RHwC1wFg7xas6

Sugiro que abram os comentários que fui fazendo em quase todas elas para se situarem melhor no percurso.

Um agradecimento muito especial ao Camino de Hierro na pessoa de Rúben Garcia e Ana Cámara na partilha de muita da informação que aqui conta e espero que este texto ajude a divulgar o percurso e que constitua um incentivo a que mais pessoas possam deslocar-se até La Fregeneda para o fazer.

A história, a beleza, o esforço para o fazerem merecem ser constantemente relembrados e já que perdemos os comboios que não percamos o resto.

Por isso é da mais elementar justiça deixar aqui o link do Camino do Hierro, cuja consulta é obrigatória para poderem comprar as entradas e obter todas as informações sobre o caminho.

https://www.caminodehierro.es/

Quadro com todos os túneis e pontes ao longo de percurso.

Rota dos Túneis
TúnelNomeComprimentoPonteNomeComprimentoAltura
1La Carretera1 5931Pingallo114
2Las Majadas332Del Morgado10521
3Morgado4233Poyo Rubio11322
4Poyo Rubio544Poyo Valiente13716
5La Belleza765Poyo Valiente13716
6Poyo Valiente358
7El Pico466Pontão 166
8Cega Verde86
9Martín Gago627Del Lugar14041
10La Cortina78
11Cega Vina948De Los Poyos13539
12Lo Llanos149
13El Lugar1279Pontão 232
14La Barca135
15Los Poyos3710De Los Riscos7122
16La Porrera330
17Los Riscos20011De las Almas13319
18El Gaazaro72
19Las Almas7312Internacional18522
20El Muelle233
Comprimento Total Túneis4 259Comprimento Total Pontes 527 
17
Mar22

Ucrânia


Vagueando

Com uma rapidez estonteante, com uma determinação incrível, com uma atitude digna de seres humanos, com uma solidariedade fantástica, com uma espontaneidade genuína, o povo português, o país europeu mais longe da Ucrânia, assumiu como missão, ajudar de todas as formas que poder, o povo ucraniano.

Fê-lo porque somos assim, bondosos, fraternos, amigos, porque somos dignos da nacionalidade que ostentamos.

Desde doações de bens de primeira necessidade, à oferta de alojamento, à oferta de profissionais de serviços que permitam legalizar a sua vida num país estrangeiro, à oferta de cuidados de saúde, à oferta de empregos, ao transporte de bens para a Ucrânia e na volta trazer refugiados, demonstrou que a logística foi bem montada. Tudo isto em menos de 15 dias.

Podemos ser desorganizados em tudo mas somos os enormes e coesos no desenrasque de tudo.

Existem muitas famílias ucranianas em Portugal, algumas das quais conheço pessoalmente e com quem me relaciono, pelo que não estranho esta ajuda, até porque estas pessoas estão a ser vítimas de uma guerra que julgávamos impossível de voltar a acontecer na Europa, ainda por cima, provocada por uma grande potência mundial.

De um dia para o outro, ficou disponível em Portugal tudo aquilo que antes não estava disponível para os portugueses em geral.

Isto recorda-me um livro que li recentemente, cujo título é “Economia de Missão”. A sua autora, economista italo-americana Mariana Mazzucato, de quem fiquei adepto depois da leitura do livro, parte do exemplo daquilo que foi a Missão Apollo, para demonstrar que é necessário inovar para reformular o capitalismo, o qual perdeu sentido porque se centrou em demasia no lucro proveniente de rendimentos de curto prazo, exclusivos da economia FIRE (Finance, Insurance e Real Estate).

Foi este modelo de capitalismo que empurrou os Estados para a eliminação de serviços públicos que foram entregues a privados, nem sempre com os melhores resultados em termos de eficiência.

Os Estados perderam dinheiro e aprendizagem e com isso a capacidade de gerir situações mais graves. Um dos exemplos mais recentes desta falta de experiência, veio dos serviços de saúde do Reino Unido. Com a pandemia, os seus serviços de saúde já não tinham capacidade de resposta, obrigado o Estado a gastar 438 milhões de libras com empresas de consultoria só para elaborar um plano de gestão de testagem e rastreio de pessoas com Covid 19, com resultados desastrosos.

Voltando à Missão Apollo. O Estado foi o impulsionador do projeto e definiu como foco pôr um homem na lua e trazê-lo de volta em segurança. Para isso o governo deixou de lado convenções que limitavam as suas atividades, era necessário inovar e não é possível inovar sem errar, pelo que perante uma hipótese enorme de falhanço, o risco foi assumido pelo Estado.

Um dos muitos desafios, parece ridículo hoje, era transformar um computador do tamanho de um armário, no tamanho de uma caixa de sapatos que não pesasse mais de 31 kg. Foi esta busca intensa para obter sucesso na Missão Apolo que levou a que muitas empresas também motivadas e empenhadas (o que é diferente de contratadas) na missão, à descoberta de múltiplos produtos de uso corrente nos dias de hoje, como são por exemplo, os telemóveis com câmara, lentes anti-risco, mantas isotérmicas, calçado desportivo, detetor de fumo, rato de computador, led, leite para bebés, desfibrilhadores cardíacos, pacemakers, purificação de água.

A essas descobertas, muitas delas por acaso, ou seja enquanto se buscava uma solução para um problema, apareciam soluções que, não servindo, teriam, no entanto, outra aplicação, chamou a autora serendipidade. Os acordos com as empresas (não necessariamente as mais bem apetrechadas ou com capacidade técnica) dispostas a juntar-se à Missão implicou uma cláusula de “eliminação do lucro excessivo”.

Apenas para se perceber a importância da cláusula usada no programa, que correu entre 1961 e 1972, eis um exemplo recente. O medicamento Remdesivir para o novo coronavírus, foi codesenvolvido com um subsídio de 70 milhões de dólares do National Institutes Health - NIH que é financiado pelo Estado. A farmacêutica produtora do mesmo estava a 3.120 dólares durante a pandemia, pelo comprimido. Isto só foi possível porque em 1995 o NIH aboliu a cláusula de preço justo.

O que tem tudo isto a ver com a nossa disponibilidade para ajudar a Ucrânia? Tudo!

Seremos também nós portugueses, cidadãos e Estado, independentemente de quem o representa, executarmos uma Missão, de partilha de riscos mas também de partilha de lucros, para levar a cabo os grandes desafios nacionais e através da inovação e da tal serendipidade, melhorar o nosso país, mostrando aos ucranianos que agora estamos a acolher, que também somos capazes de fazer tão bem a nós próprios como o que sabemos fazer aos outros?

Em suma, seremos nós capazes de, no futuro, disponibilizar a todos os cidadãos uma vida melhor, sem ser necessário a desenrascar uma caridadezinha, muitas vezes transformada em espectáculo televisivo, após a desgraça?

14
Mar22

Árvores de rapina


Vagueando

Muito recentemente realizei mais um passeio pedestre, por acaso aqui ao lado. Pode ser que um dia destes venha até aqui para o descrever, já que tem montes e vales, bem como montes de coisas cheias de interesse para ver.

É daqueles passeios pedestres em que a sucessão de coisas lindas para serem vistas são tantas, que nem damos pelo tempo nem pelo cansaço.

Contudo, por hoje deixo apenas estas duas fotos do percurso.

P3090043.JPGComo desconheço completamente a espécie destas árvores, resolvi chamar-lhes árvores de rapina.

P3090081.JPG

 

 

 

 

 

 

Ora as aves de rapina são assim designadas porque o termo rapina designa roubo ou saque. Estas aves raptam as suas presas usando as grandes garras para as prender firmemente e aguentá-las em voo, suportando não só o seu peso mas também a força gerada pela deslocação do ar.

Estas árvores também possuem enormes garras (raízes) também roubam os poucos nutrientes que chegam a estas pedras e também se aguentam muito bem com os vendavais que a natureza se encarrega de enviar para aqui, quando lhe apetece.

Ali estavam elas, imponentes, equilibristas, belas e pelos vistos bem ancoradas.

A natureza permite roubos destes e ainda bem, alegrou-me o dia.

05
Mar22

Sinistralidade autorizada


Vagueando

Recentemente o ACP lançou um vídeo, (ver aqui Video ACP) onde se aborda a situação das zonas 30.

A grande conclusão a tirar do filme é que em matéria de segurança rodoviária, se legisla bem e se fiscaliza mal, ou melhor, pelo menos dentro das cidades, não se fiscaliza.

Neste filme é possível constatar que nestas vias e ao que parece são poucas, só no ano passado, em que a circulação de pessoas foi fortemente condicionada pela pandemia,  registaram-se 16 mil acidentes e 119 mortos.

No video, a Dr Luísa Salgueiro, Presidente da Associação Nacional de Municípios, refere que nunca haverá fiscalização suficiente (o que é diferente de não existir nenhuma) e que haveria vantagens em clarificar a forma de como, para além da sinalização exigível pelo Código da Estrada, se uniformizasse outros elementos identificadores, como por exemplo o tipo de piso ou a cor do mesmo, para que não existam diferentes interpretações nem diferentes utilizações nestas vias.

30.pngDesculpa à parte, fica claro que a placa G4a (á esquerda)  - que cria este tipo de zona: indica a entrada numa zona 30km/h em que são aplicados dispositivos de acalmia de tráfego (para os mais distraídos) de modo a limitar a velocidade máxima de circulação a 30 km/h, cujo sinal de proibição, há muito que é conhecido dos automobilistas.

Independentemente do que vier a ser feito no futuro, a partir do momento em que se sinaliza o limite de velocidade é 30km/h é porque se reconhece que o mesmo é necessário, pelo que também é necessário fazê-lo cumprir para que não ocorram, só num ano, 16 mil acidentes num ano, muito menos 119 mortos.

Não vejo como a Presidente da ANM se “desculpa” com a falta de Polícia Municipal nalguns municípios ou com outras incapacidades para fiscalizar estas zonas, quando estes investiram em pessoal, formação e certificação dos seus fiscais, para que possam fiscalizar e multar veículos bem estacionados, na medida em que não prejudicam a fluidez nem a segurança do trânsito, mas que o Código da Estrada considerou oportuno incluir nos seus artigos, para assegurar a rotatividade dos lugares em zonas mais movimentadas.

Contudo, infelizmente, as autarquias viram nesta regulamentação do Código da Estrada um negócio, ao ponto de chegarem a explorar lugares pagos em contravenção com o mesmo Código da Estrada. Tenho vários exemplos que assinalei a autarquias e empresas de estacionamento municipal, que reconheceram o incumprimento e removeram os lugares e também tenho exemplos de autarquias e empresas de estacionamento municipal, perante este facto, optaram por ignorar o incumprimento e manter os lugares.

E foi este negócio que moveu as autarquias a servir-se do código da estrada, nomeadamente da alínea h) do Artigo 25º, que proíbe o parqueamento nas zonas de estacionamento de duração limitada, quando não for cumprido o respetivo regulamento e a alínea c) do artigo 163º , que considera abusivo ou indevido um veículo, em zona de estacionamento condicionado sem proceder ao pagamento de taxa ou se tiverem decorrido duas horas para além do período de tempo pago.

A Dr Luisa Salgueiro saberá que em Lisboa, onde existe Polícia Municipal e onde existem cinco zonas 30, bicicletas eléctricas a circular nos passeios, então agora com a febre da Glovo e Uber eats a entregar comida ao domicílio é perfeitamente normal trotinetas a circular em cima dos passeios,  é normal levarem duas pessoas e também é normal tudos isto se passar por vezes passar em frente a agentes da Polícia Municipal sem que nada aconteça.

Em Sintra, onde existe Polícia Municipal, foram criadas zonas proibidas a veículos de animação turística mas fiscalização não se vê e nem os operadores sentem qualquer tipo de repressão, caso contrário não circulariam, diariamente, e com tanta frequência nestes locais.

Lamentavelmente, as autarquias, na pessoa dos seus representantes, fazem vista grossa ao Código da Estrada para defender a segurança de pessoas e bens como ficou claro neste vídeo do ACP.

Assim sendo não se estranha a ocorrência de tantos acidentes.

Estranha-se sim o alheamento da comunicação social e de outros organismos, por exemplo a ACA-M Associação de Cidadãos Automobilizados que tanto eco têm dado ao acidente que infelizmente vitimou um trabalhador na A6 e até se constituiu assistente no processo, por considerar que ocorreu um homicídio por negligencia e se negligencia a ocorrência de 119 mortos em zona habitacionais.

Não haverá nestes acidentes, negligência de ninguém?

Ou ficamos apenas e só, como é costume dizer-se; É a vida, neste caso a morte para 119 pessoas.

Deixo alguns exemplos nas fotos abaixo do sentimento de impunidade decorrente da falta de fiscalização. O desespero leva residentes a colocar nas suas portas, de acesso às suas habitações, sinais de estacionamento proibido e mesmo assim não se respeita, estacionamento em cima de passadeiras de peões, entrada em ruas de sentido único em contramão para estacionar, sendo que algumas destas situações ocorrem a menos de 50 metros de um posto da GNR.

 

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Mensagens

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub