Sintra das Sômbras Vivas...
Vagueando
Sintra das Sômbras Vivas
Sintra das sombras húmidas, cativa
Nêsse destino agreste e singular
De quem nasceu para ser altiva
Eternamente namorando o mar
Abriste ribeirinhos e cascatas
Nos flancos altos, de perfil incerto,
E assim beijas a água assim já matas
Saudades Loucas pelo mar tão perto…
Sintra das sombras vivas – entre hortas,
Entre pomares, dicas e castelos,
Onde um canto coral de vozes mortas
Se abraça de cousas com mais fortes elos…
Fantasmas – Sombras vivas – não recolhas
A’ burguesia duma vida inglória...!
-Folhas das tuas árvores são folhas
Dum Livro Verde onde se escreve a História…
Mantem o orgulho nobre num destino
Que pelos tempos fora é caminheiro…
-Só tu venceste um poeta peregrino
Que disse, ao mundo, mal do mundo inteiro…!
Nas tuas quintas de portões fechados,
Conserva a solidão distante e austera…
Deixa cair as ninfas, aos bocados
Nas fontes secas recobertas de hera…
Oh Sintra dos wallis, Serra da Lua,
Sê mulher moira que jamias se atreve
A descobrir o seu rosto, e continua
Usando um casto véu de bruma leve…
Oh Sintra medieval, que foste ninho
De “ínclita geração de altos infantes”
Sê cavaleiro andante, que sozinho,
Persegue sonhos mais e mais distantes…
Sintra da hora da aventura imensa,
Que viste um rei, alvoraçado e lêdo,
Sôbre um monte cimeiro, em névoa densa,
Adivinhar das Índias o segredo…
Vê sempre, ao longe, se lá vem singrando
Nau do Progresso – Embarcações festivas. –
Mas não despertes o teu sôno brando,
Sêno de morte cheio de sombras vivas…
Publicado em Setembro de 1927, O Domingo Ilustrado"nº 141 do Ano III, por T.L.B. na rubrica Curiosidades